Por Victor Viana e Monique Gonçalves
Mauro Osório da Silva, economista, escritor, presidente do Instituto Pereira Passos Professor do Programa de Mestrado e Doutorado da FND/UFRJ. Reconhecido como um dos maiores estudiosos da economia e do desenvolvimento regional do estado do Rio de Janeiro, falou à Prensa sobre os impactos das medidas de prevenção ao COVID-19 na economia. Mas mesmo antes da expansão da pandemia no Brasil, Osório já fazia apontamentos críticos sobre os rumos da economia no país, especialmente sobre a situação econômica e fiscal do Estado do Rio de Janeiro.
“O Estado do Rio vem de uma crise estrutural de décadas. O primeiro fato, tem a ver com a transferência da capital, sem compensações, que ocorreu lentamente. Em segundo, foi a economia que menos cresceu em todas as unidades federativas, quando a gente perdeu quase 40% de participação no PIB nacional. No Rio de Janeiro, não existe tradição de reflexão regional, então existem muitos diagnósticos equivocados, e quando há estratégias, são equivocadas. Terceiro, o Rio de Janeiro cresceu com uma desestruturação política muito grande, e os principais motivos são as cassações de mandatos, começando com o golpe de 64, onde não foram cassados só personagens da esquerda como também da direita, em governos sempre com uma lógica muito clientelista. Na verdade essa prática clientelista que se consolidou, nunca foi desmontada. Uma síntese de que isso é verdade é, por exemplo, nenhum estado tem tantos políticos sendo julgados, Tribunal de Contas com cinco conselheiros afastados, o controle de milícia muito mais presente e atuante, a morte da Marielle mostra isso”, expõe e completa seu raciocínio, para preparar o panorama das perguntas e respostas que seguirão ao longo da entrevista.
“No âmbito geral, o Rio precisa renovar a política, com visão estratégica para evitar roubo, discutir a questão federativa, mostrar que essa distribuição vai prejudicar o Estado, já que o Governo Federal arrecada muito e devolve pouco. Aumentar a reflexão regional no Rio e seus municípios, parar de pensar só em Brasil e mundo. Isso se dá, muito por ter sido a capital do país por 200 anos, e a principal referência internacional. É necessário pensar melhor estratégias para superar o marco de poder, estratégias também para aumentar a estrutura produtiva e mostrar a injustiça federativa que o estado está vivendo”.
Prensa de Babel: Então estamos em uma crise que é parte de um ciclo e que agrava nossos problemas para lidar, agora, com os reflexos econômicos da pandemia de coronavírus?
Professor Mauro Osório: Isso. Você tem um ciclo vicioso que vem desde os anos 70, que tem a ver também com a pouca reflexão regional, com equívoco de estratégia e com a lógica política que se inicia a partir do golpe de 64. Mudam os atores, mas essa hegemonia se mantém, quer dizer, muito mais que nos outros estados brasileiros. Em 2015 o Brasil entra numa crise política e econômica muito pesada. O Rio de Janeiro sofreu muito mais, com perda de 15% de empregos com carteira assinada, quando a média do Brasil foi 5%. A gente chega na crise do coronavírus com uma situação muito mais precária. A gente tem um desafio muito maior que outras regiões.
Prensa: O estado de quarentena praticamente paralisou diversos setores, especialmente o de serviços. Com a alta taxa de informalidade, a chamada “uberização” do trabalho e a baixa industrialização no estado, o setor produtivo também sofre com o momento. O que fazer para diminuir os impactos na vida dos trabalhadores?
Professor Mauro Osório: Em economia, quem puxa as atividades econômicas são as grandes empresas, mas as micro e pequenas também são fundamentais. O que é possível agora na crise é, assim como nos países europeus, o Estado bancar uma parte dos pagamentos dos salários para evitar uma demissão em massa sem que a economia sofra desorganização. Nessa crise agora, tem que fazer programa de renda básica e também incluir o pessoal da informalidade, apoiar pequenas empresas, bancando uma parte do salário como Maricá e Niterói estão fazendo. Isso pode ser feito através de bancos públicos e ter um programa generoso de crédito para empresas.
Prensa: Quem pode fazer esses aportes necessários para iniciar esse processo de distribuição de renda?
Professor Mauro Osório: O colapso econômico a gente evita com investimento muito pesado do Estado. Basicamente, quem pode entrar nisso, pode ser uma prefeitura ou outra com mais dinheiro, mas quem pode mesmo é o Governo Federal, porque é quem emite moeda nacional. Na situação atual não tem nenhum problema o Governo Federal emitir moeda.
Prensa: Não poderia gerar inflação?
Professor Mauro Osório: A emissão de moeda tem essa reação, de poder gerar inflação sim. Mas neste momento não acredito que vá gerar inflação porque ela está muito baixa, deve fechar esse ano abaixo de 3% ao ano, e a economia tem uma capacidade ociosa brutal (as empresas estão vendendo muito menos do que a estrutura que já existe para vender, tem mão de obra desempregada), então a medida que você estimula a oferta, com programa de renda básica, dando subsídio, pagando os salários dos micro e pequenas empresas, dando crédito a juros zero, você vai permitir que a capacidade produtiva já usada, continue sendo utilizada. Então não vai ter aumento de procura, porque o que gera inflação é quando a procura é maior que a oferta. O problema é que já estava com a procura fraca e agora ela tende a despencar. O que tem que impedir é isso, que a procura despenque. Não há outra saída. É o Governo Federal entrado com dinheiro, atuando em parceria com os estados e prefeituras, investindo pesado em estrutura de saúde, renda básica e subsídio para as empresas manterem seus empregados, enquanto durar essa política necessária de isolamento.
Prensa: O projeto do ex-Senador Eduardo Suplicy (PT-SP), de Renda Básica, vem ganhando destaque na mídia mundial diante do agravamento das economias, agora mais que nunca. O senhor enxerga como um caminho importante para a sobrevivência das famílias?
Professor Mauro Osório: A renda básica é fundamental. Na verdade, o Bolsa Família, por medida, já é isso. Quer dizer, a ideia da renda básica é você dar o mínimo de sobrevivência para as pessoas poderem trabalhar naquilo que elas gostam e também para ajudar os menos favorecidos. É você dizer o seguinte: eu vou dar o mínimo de renda numa situação de miséria ou de pobreza muito grave, e vou apoiar que essas famílias coloquem seus filhos na escola, e apostar na geração seguinte. Então, é uma ideia de solidariedade, cidadania e sobrevivência. Num país com uma desigualdade absurda, você vai dar o mínimo e aí sabe o que acontece? Você dá dinheiro na mão do pobre e é consumo na veia. Porque a pessoa pobre não consome no exterior, não vai comprar vinho importado, não vai viajar e pegar coronavírus, o pobre vai consumir no local que ele mora e vai ativar a economia. Então, na verdade esse dinheiro de alguma forma acaba voltando para o país. Quando você fala de igualdade de oportunidade você tem que entender que na base, são pessoas que não têm oportunidade. Outra coisa que é muito importante, que está suspensa neste momento de isolamento, é a política de creche, porque hoje em dia tá claro que o desenvolvimento cognitivo, ele desenvolve de 0 a 3 anos. A política de creche também é decisiva, você dá também base para que possa ter igualdade razoável de oportunidade. Tem que tratar os miseráveis e os muito pobres de uma forma diferente para tentar subir o piso, e assim você tem menos violência, aumenta a igualdade de consumo, e é um programa barato.
Prensa: As políticas estatais de intervenção direta na economia, que vêm sendo tomadas, vão contra teorias defendidas pelos liberais, especialmente pelo Ministro Paulo Guedes. Seria a prova da importância da participação do estado? Qual o papel dos Bancos Públicos nessa crise?
Professor Mauro Osório: O capitalismo de sucesso sempre tem uma coordenação pública, isso é o que mostra a história internacional. Da Alemanha do século 19, da França e dos Estados Unidos também. A questão do Estado ter o papel de coordenação do capitalismo, é o primeiro ponto. O segundo ponto, é quando tem o momento de crise e a participação do Estado se torna ainda mais clara. Por exemplo, no Brasil em 2008, não teve crise, passou praticamente incógnita, porque o Governo Federal chegou para os bancos públicos (Caixa Econômica, BNDS e Banco do Brasil) e falou para emprestar. Quando tem crise, os bancos privados costumam ser muito mais seletivos à concessão de crédito porque acham que vai crescer a inadimplência. Em 2008, a Caixa e o BNDS entraram substituindo o crédito de capital de giro para empresas, e isso fez com que a economia não entrasse em recessão e o Banco do Brasil teve o maior lucro da sua história. A demanda é fundamental para o capitalismo. A importância da intervenção é investir em políticas redistributivas.
Prensa: Houve um grande movimento envolvendo municípios, Estado e deputados do Rio de Janeiro, em defesa da suspensão do pagamento de contas de energia elétrica, água e gás. É uma medida contundente, mas que já foi tomada por outros países. O que achou dessa proposta?
Professor Mauro Osório: Eu acho que é correta, porque na medida em que você impede as empresas no geral de venderem, e os trabalhadores informais de exercerem suas atividades, tem que ter alguma contrapartida. E no caso das empresas de grande porte, elas têm uma quantidade de recurso muito maior do que a maioria da população que ganha um salário, ou seja, tem como se sustentar por dois, três meses.
Prensa: Existe condição do Rio de Janeiro enfrentar a pandemia, se houver o julgamento da distribuição dos Royalties do Petróleo?
Professor Mauro Osório: Nenhuma. Hoje qual é a principal atividade econômica do Rio? É vinculada ao petróleo. Qual é o maior imposto estadual? É o ICMS. O Governo do Estado do Rio de Janeiro, ele praticamente não pode receber ICMS cobrado sobre o petróleo, por que existe uma regra definida na constituição de 1988, que diz que energia elétrica e imposto sobre petróleo, iria ser cobrado do estado consumidor e não do estado produtor. Então quando o petróleo é extraído aqui e vendido para outros estados, o governo do Rio não pode cobrar ICMS. Quando exporta, existe uma lei chamada Kandir, criada no governo de Fernando Henrique, na época não tinha reserva em dólar, então tinha uma grande preocupação em estimular a exportação. E aí teve um acordo no Congresso de criar essa lei, que nos estados onde havia produção de matérias primas, eles abririam mão na exportação, mas o Governo Federal compensaria isso. Só que precisava ser regulamentado depois e nunca foi, os estados contemplados pela lei de kandir até hoje não viram a cor do dinheiro. Só o estado do Rio, de acordo com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Pará, existe uma dívida do Governo Federal com o Rio em torno de 60 bilhões de reais. Por último, quando chegam equipamentos no Rio para extrair petróleo da Bacia de Campos, tem uma lei chamada Repetro, que só pode cobrar 3% de ICMS sobre o valor desses equipamentos. Então o petróleo praticamente não gera ICMS para o Estado do Rio. A compensação é que gera uma receita de royalties sem o ICMS, mas se os royalties passarem a ir para todos os estados, na verdade o Estado do Rio não vai ter nem os royalties e nem o ICMS para contar.
Prensa: Foi publicado um documento assinado pelos professores do Instituto de Economia da UFRJ sobre os impactos econômicos da Covid-19 e medidas de combate à crise econômica. Há bons exemplos observados pelo senhor, de medidas sendo tomadas no estado do Rio de Janeiro?
Professor Mauro Osório: Essas medidas exigem gasto, e o Governo do Estado não tem recurso para isso, precisa de ajuda do Governo Federal, ou dos municípios por conta própria. No Estado do Rio os bons exemplos vêm de Maricá e Niterói, que têm mais condições hoje, e estão com programas de renda básica, subsídios de salários de micro e pequenas empresas, programa de crédito barato ou juros zero para empresas, ou seja, para não criar uma total desestruturação econômica. Outra solução eu já falei, o governo federal emitir moeda.