Projeto de lei, ações sociais e iniciativas de saúde pública precisam incluir pessoas trans, intersexo e não binárias
Após o presidente da República, Jair Bolsonaro, vetar a distribuição gratuita de absorventes menstrual para estudantes de baixa renda de escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema, os municípios e estados começaram a se movimentar para avançar em leis com o objetivo de amenizar os efeitos da chamada “pobreza menstrual”. Porém, a menstruação é uma função biológica, portanto, ativistas e profissionais de saúde apontam que ser mulher ou não, está longe de ser a questão das discussões.
“A população trans precisa ser incluída dentro da sociedade, no sentido de enxergar esses indivíduos, escutá-los e incluí-los dentro de todos os meios que os integram. E que essas pessoas também menstruam”, lembra Théo Silveira, coordenador do Centro de Cidadania LGBTQIA+ da Baixada Litorânea.
Em Búzios, ocorreu o encaminhamento do Projeto de Lei n°47/2021 (PL-47), de autoria do vereador Rafael Aguiar, que foi aprovado por unanimidade na sessão de 28 de setembro, e, até o momento, aguarda a sanção do prefeito, Alexandre Martins. Mas o projeto de lei indica apenas a distribuição de absorventes e o material instrutivo e informativo para as alunas. Lembra das mulheres em extrema pobreza, porém, é esquecida na escrita e na pesquisa do projeto a existência de pessoas trans.
Eu existo
Com 19 anos, um garoto trans e morador de Búzios, que preferiu não se identificar, relata que as políticas públicas nunca são voltadas para as pessoas trans. Ele, que foi aluno do ensino médio municipal e agora é estudante universitário, comenta que, apesar deste grupo ser uma minoria social e política que começa a receber alguma visibilidade, poucos progressos são feitos para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.
“Quando são feitas as leis para pessoas trans, são sempre focadas em nome social, cirurgia, tentar diminuir agressão, entre outras coisas que são muito importantes, porém, se esquecem que boa parte da população não tem acesso a coisas básicas, como saúde pública, moradia, educação e emprego. A inclusão de pessoas trans na hora de pensar nesses projetos e como eles vão ser implementados é muito importante. Assim como educar e treinar profissionais da saúde para lidar com pessoas trans e tornar os hospitais um lugar relativamente seguro para esse grupo”, explica o estudante entrevistado, que complementa: “muitas pessoas com útero estão na rua”.
A questão se ramifica pela Região dos Lagos. Christian Dutra, um jovem trans de 21 anos, morador de Cabo Frio, também se sente longe das discussões. “Sinto como ainda é discutido esse estilo de assunto com uma visão muito limitada aos corpos cis. Devemos abordar tudo com uma linguagem neutra, em campanhas não apenas mostrar os corpos de mulheres cis, e falar abertamente de menstruação. Isso não é tabu”, reforça e, assim como os outros entrevistados, afirma sentir falta de reconhecimento e de uma voz trans para debater estes temas nos espaços públicos.
Políticas públicas e linguagem abrangente
Para Théo Oliveira e a psicóloga, Yasmim Fontes, do Centro de Cidadania LGBTQIA+, os parlamentares deveriam estar aptos para os debates desse público, pelo fato de que pessoas trans, não-binarias e intersexo existem e precisam ser ouvidas e representadas.
Aos projetos do Legislativo, Théo ainda reforça a importância da linguagem neutra como forma de inclusão, assim, pessoas que não se reconhecem com o gênero que nasceu podem se sentir confortáveis e inclusos. “Uma lei produzida, escrita na linguagem neutra, traz exatamente esta função de inclusão e mais além do que isso, o respeito e uma posição de existência a este sujeito”, complementa ele.
“Deveria haver um curso em Direitos Humanos com recorte na política pública LGBTQIA+ para os parlamentares, e deveria haver uma punição para aqueles que não respeitam a causa”, complementa ambos.
A Câmara de Vereadores de Búzios tem uma Comissão de Defesa dos Direitos Humanos (e também do Consumidor), que atuou com as demais comissões da Casa Legislativa aprovando por unanimidade o PL. Mas passou despercebido dos vereadores que compõe à Comissão a necessidade de revisar o projeto para torná-lo mais abrangente e não gerar exclusão de minorias, o que termina por colaborar ainda mais com a invisibilidade social deste grupo no município.
Por: Natalia Nabuco, estagiária sob supervisão da jornalista Monique Gonçalves.