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OPINIÃO: Desmistificando a entrega voluntária para adoção

Roberta Bello é advogada com foco na Adoção. Foto Arquivo Pessoal

A entrega voluntária para a adoção ou entrega legal para a adoção é um instituto, previsto nos art.13§1º e art.19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA  ). Trata-se, portanto, de um instituto jurídico que resguarda a vida e a integridade física e psicológica da criança, uma vez que afasta a possibilidade de aborto, de abandono e de adoção irregular.

Dessa forma, gestantes ou puérperas que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude. A omissão no encaminhamento, por parte de pessoa que integra a rede de proteção, constitui infração administrativa, podendo ser aplicada multa de R$1.000,00 (mil reais) a R$3.000,00 (três mil reais) ao infrator, conforme estabelece o art. 258-B do ECA.

A rede de proteção é formada por hospitais, profissionais de saúde; Creas; conselhos tutelares; qualquer funcionário de programa oficial ou comunitário destinado à garantia do direito à convivência familiar; dentre outros, que não encaminhe imediatamente mãe ou gestante interessada em entregar seu filho para a adoção.

Veda-se a qualquer um que atue na rede de proteção: que faça questionamentos sobre decisão da mãe ou gestante, ou, insista para que a mesma fique com a criança, isto é, desista da entrega.

A entrega legal é diferente do abandono de bebês, que é crime, conforme art. 134 do Código Penal.

A lei resguarda o sigilo quanto à entrega, que é formalizada em procedimento sigiloso, acessível somente ao juiz e ao membro do Ministério Público (MP) que atuam na Vara da Infância e da Juventude, bem como ao advogado da mãe ou defensor público (art. 166, §3º, do ECA). Além disso, também garante a mãe o sigilo sobre o nascimento, tendo a genitora o direito de não o comunicar a seus familiares, assim como também tem o direito de não dizer quem é o pai da criança.(Art.19-A, §§4º e 9º e art. 166,§3º do ECA).

Assim que a genitora ou gestante procura a Vara de Infância e Juventude e manifesta o desejo de entregar seu bebê para adoção, instaura-se um procedimento judicial que tem como primeiro ato o atendimento dessa mulher pela equipe técnica do juízo em questão, que encaminhará um relatório de atendimento a ser encaminhado ao magistrado (art. 19-A, §1º, do ECA e art. 166,§2º,ECA).

A equipe técnica deverá perquirir todos os motivos que levaram a mãe ou gestante a decidir pela entrega voluntária da criança para adoção; se a genitora não está em estado puerperal; se a mesma tem ciência das consequências do ato; e ainda se a mesma tem ciência de que tal ato é irrevogável.

Constatado que a decisão da genitora de entregar o bebê para a adoção é manifestada de forma refletida e consciente é dado prosseguimento ao procedimento. Caso tenha informado quem é o pai da criança, este também é atendido pela equipe multidisciplinar a fim de saber se o mesmo está de acordo com a entrega voluntária e, em caso contrário deve-se verificar se tem interesse e condições de exercer o poder familiar e assumir a guarda da criança.

O magistrado da Vara de Infância e Juventude analisará o relatório da equipe multidisciplinar e deverá marcar uma audiência, na qual a mãe será ouvida, na presença de membros do Ministério Público e de seu advogado ou defensor público (art. 19-A, §5º, do ECA). Sendo conhecido o endereço do pai do bebê, este também será ouvido em audiência, em que será garantida a livre manifestação da mãe – e do genitor, se conhecido. Além disso, a inquirição abordará apenas o efetivo interesse na entrega voluntária (art. 166,§1º, I, e §3º, ambos do ECA).

Na hipótese do genitor não concordar com a entrega voluntária para adoção, verifica-se se ele tem vontade e condições de assumir a guarda da criança. Demonstrado que ele pode oferecer ambiente propício ao pleno desenvolvimento do infante, a criança será entregue ao genitor. Pode-se desistir da entrega voluntária do infante para adoção até a data da audiência (art. 166, §5º, do ECA), devendo-se procurar a equipe multidisciplinar da Comarca para informar o fato ou manifestar a desistência em audiência perante o juiz. Nessa hipótese, a criança será restituída aos pais e o caso será acompanhado pela Vara da Infância e da Juventude por 180 dias, conforme o §8º do art. 19-A do ECA.

Confirmada em audiência a vontade de entregar o bebê para adoção, é proferida sentença de extinção do poder familiar da genitora em relação à criança (art. 19-A, §4º, e art. 166, §1º, II, do ECA). O mesmo ocorre em relação ao pai, se conhecido. Realizada a audiência, a mãe – e o pai, se for o caso – tem o prazo de dez dias corridos, contados do ato, para exercer o direito de arrependimento (art. 166, §5º, do ECA). Manifestado o arrependimento dentro do prazo, a criança será devolvida à genitora e o caso deverá ser acompanhado pela Vara da Infância e da Juventude por 180 dias, em aplicação analógica do §8º do art. 19-A do ECA.

Caso não tenha sido exercido o direito de arrependimento, a entrega passa a ser irretratável, não havendo a possibilidade da genitora e o genitor, exigirem de volta a criança. Portanto, a entrega voluntária para adoção não é crime. Trata-se de um mecanismo que procura proteger as crianças e evitar práticas que não são permitidas no Brasil, como aborto fora das hipóteses previstas em lei, abandono de bebês e adoção irregular. Um direito da gestante que merece e deve ser desmistificado.

Por Roberta Bello – Advogada com foco na Adoção. Tem expertise em Direito das Famílias e Infância e Juventude. Fundadora e Presidente do Grupo de Apoio a Adoção Desmistificando a Adoção.

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