O Tatuí andava de chinelo Havaianas – quando Havaianas era chinelo de pobre – cada pé de uma cor. Quando arrebentava a correia, ele punha um prego atravessado embaixo da sola para segurar, e assim ele ia. Vestindo sempre uma camiseta furada de candidato – no qual não votou. Vivia apenas. Sua aldeia era seu mundo. Era talvez feliz.
De repente, os ventos começaram a soprar uma estranha novidade: a aldeia queria virar cidade! O Tatuí escutou por aqui e por ali aquela história, que na época se escrevia ‘estória’. Um dia, parado no caís, viu um ator da Globo saindo em uma lancha a jato com duas modelos. Foi uma epifania, um clique, uma virada em sua mente.
Saiu à luta. Conversou com amigos e sentiu que ia dar pé: folguedos e cachaça! Passou na Igreja, pegou umas cestas básicas e distribuiu para alguns em seu próprio nome. Passou a ficar em fila no posto de saúde para marcar número para os outros. Até mesmo emprestava sua bicicleta para que fossem à sede do município resolver problemas. Agora, aquele Tatuí tinha um propósito.
Foi às vésperas de assumir seu posto de nova elite da cidade recém-criada que ele aprendeu a comer de garfo e faca. Trajava o terno pegado emprestado do pastor local. Tinha subido na vida aquele Tatuí. Tomou posse do cargo e de muitas terras, que trocou por espelhinhos e pentes.
- Crônica publicada originalmente em A Raza – 2011