O engenheiro João Victor Saldanha, 23 anos, natural de Cabo Frio, RJ, afirma que a ideia de pesquisar sobre o lodo e utilizá-lo em seu trabalho de conclusão de curso surgiu com sua participação no Projeto Imersão, criado a partir de um convênio de pesquisa entre a Universidade Veiga de Almeida campus Cabo Frio, RJ, e a Prolagos, concessionária de serviços públicos de água e esgoto na Região dos Lagos. O estudo prevê dar um destino sustentável ao subproduto das estações de tratamento de água e
esgoto transformando-o em argamassa.
O engenheiro teve orientação acadêmica da professora universitária e engenheira civil Luciana Oliveira. “Dentro do projeto, a pesquisa realizada por mim e por minha coordenadora era de propor utilizações viáveis, dentro da construção civil, para o Lodo de Estação de Tratamento de Esgoto (LETE) e o Lodo de Estação de Tratamento de Água (LETA)”, disse. Essa também foi sua primeira experiência profissional dentro de sua área de atuação. “Pesquisar muito sobre o assunto foi enriquecedor e quando partimos para a etapa experimental foi mais um desafio”, contou Saldanha.
De acordo com Luciana Oliveira, o lodo é literalmente o que sobra dos processos de tratamento envolvidos nas concessionárias de abastecimento de água. “Esse material é colocado em aterro sanitário, porém, com o tempo, essa ação acaba por contaminar o solo, causando vários problemas ambientais”, conta. Ele é geralmente uma mistura de matéria orgânica de resíduos humanos, partículas de resíduos alimentares, microrganismos, vestígios químicos e sólidos inorgânicos. Oliveira afirma que o principal desafio, hoje, é realizar o reaproveitamento dele, dar um outro destino que não os aterros sanitários.
material orgânico sólido é misturado e sedimentado no fundo, formando o lodo /
Imagem: Reprodução Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo –
SABESP
Conheça as principais etapas de uma ETE
Segundo estimativas do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), no Brasil foram gerados 81,3 milhões de toneladas de Resíduos dos Serviços de Saneamento Básico (RSB) no ano de 2015, sendo 97% desse valor referende ao lodo de estações de tratamento de água (ETA) e os 3% restantes ao lodo de estações de tratamento de esgoto (ETE). Essa disparidade na quantidade de resíduos gerados se dá, segundo explicação do SNIS, pela cobertura dos respectivos sistemas, onde, no ano de 2015, o atendimento das áreas urbanas com abastecimento de água foi de 93,1%, o de esgotamento sanitário, por outro lado, só compreendeu 58%.
A pesquisa realizada por Saldanha e Luciana, que posteriormente tornou-se o trabalho de conclusão de curso (TCC) do engenheiro, seguiu alguns processos específicos. De acordo com o engenheiro, o primeiro foi uma extensa pesquisa para entender profundamente sobre o material com que estavam trabalhando, o lodo de estação de tratamento de esgoto (LETE). Nesta etapa, identificou-se como ele foi utilizado por
outros pesquisadores, quais são suas principais características, e até onde as pesquisas sobre esse tema vão. “Essa parte é que norteia o início da nossa pesquisa e auxilia em ideias de como trabalhar o material e qual destinação dar a ele”, esclarece.
Depois da pesquisa inicial, o lodo é enviado ao laboratório para ser analisado. “Essa análise serve para identificar propriedades físicas e químicas do lodo que iremos trabalhar, pois lodos desse tipo tendem a variar em certas características, dependendo das peculiaridades, como: de onde ele é coletado; como ele é coletado; como ele é tratado após a coleta; entre outros fatores”, explica. Assim os pesquisadores conseguem ter o entendimento necessário sobre o material base do projeto e dar seguimento nos
outros processos da pesquisa, conforme explicado no vídeo acima.
Existem pontos positivos e negativos que envolvem todo o processo de reutilização do subproduto. De acordo com Saldanha, “os pontos positivos são os que incentivaram a pesquisa, de propor uma destinação mais ambientalmente amigável para o resíduo gerado pelas estações de tratamento de esgoto ao mesmo tempo que oferece um material mais barato e disponível para ser utilizado como insumo na construção civil”. Ele explica que o lado negativo se dá no tempo e energia gastos na transformação. “Por se tratar de um resíduo, deve ser tratado, preparado e caracterizado para que possa ser reinserido na cadeia produtiva”, esclarece.
Acesse a pesquisa completa de João Victor Saldanha
O engenheiro civil defende ainda que a transformação do lodo de esgoto em argamassa é uma opção viável para o destino do produto. “Nossa pesquisa mostrou que a argamassa produzida com o lodo possui uma resistência adequada para ser utilizado como material que compõe a argamassa cimentícia, junto do cimento e da areia, e isso abre a possibilidade de ele ser reutilizado como material ao invés de ser descartado definitivamente”, disse.
O tratamento adequado para o lodo de esgoto, que pode ser objeto de estudo de diversas pesquisas de fomento à ciência, só é possível quando existe a presença de uma concessionária de abastecimento de água, que podem ser empresas privadas contratadas pelo governo ou entidades públicas, responsável pelos serviços de tratamento de esgoto nas regiões. De acordo com dados de 2020 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 50,8% dos esgotos do país são tratados. A região sudeste, por
exemplo, fornece rede de esgoto para 80,5% (71,4 milhões) da população e cerca de 58,6% dele é tratado.
Entretanto, essa não é uma realidade que contempla todas as regiões do país. Segundo pesquisas de 2018 do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), quase 100 milhões de brasileiros (45%) não têm acesso à coleta de esgoto. E em 2020, o percentual de esgoto não tratado representava 5,3 milhões de piscinas olímpicas despejadas na natureza. Isso ocorre, além das desigualdades sociais, porque algumas empresas de abastecimento de água não possuem infraestrutura
suficiente para coletar e tratar as águas residuais, não tendo, por consequência, condições para separar e tratar o lodo que elas contêm.
Diversos problemas socioambientais podem ser ocasionados quando a má gestão das águas residuais produzidas pelas cidades ocorre. De acordo com o professor universitário e biólogo Eduardo Pimenta, “quando o esgoto é descartado de forma inadequada no meio ambiente, ele pode ser prejudicial para a comunidade como um todo, comprometendo a balneabilidade do corpo hídrico, eutrofizando-o e
desequilibrando as comunidades de organismos aquáticos”, afirma.
De acordo com o SNIS, as regiões Norte e Nordeste são as que menos representam atividades nessa área: Norte fornece rede de esgoto para 13,1% (2,3 milhões) da população e Nordeste fornece rede de esgoto para 30,3% (16,9 milhões) da população. Em relação ao tratamento de esgoto, as duas também levam as menores porcentagens: Norte, 21,4% do esgoto é tratado e Nordeste, 34,1% do esgoto é tratado. As regiões Sudeste e Centro-oeste possuem melhores percentuais nas categorias, conforme tabela acima.
Segundo Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, em entrevista para a Prensa, quando uma comunidade não tem acesso a água tratada de qualidade e coleta e tratamento de esgoto, existe uma série de doenças hídricas que acabam por afetar esses locais, como dengue, esquistossomose, leptospirose e diarreia. “Esse prejuízo à saúde das pessoas que vivem nesses locais traz uma série de problemas relacionados a outras questões, como educação, porque cada episódio de diarreia, por exemplo, afasta as crianças das escolas e causa um atraso escolar”, conta. Pretto afirma que essas
situações, muita das vezes, limitam uma possibilidade de ascensão social dessas famílias.
A presidente afirma ainda que, para o saneamento básico se tornar mais acessível para as comunidades brasileiras, cada região precisa ter um planejamento, seja municipal ou regional, que coloque quais são as metas intermediárias para que até 2033 99% da população tenha acesso à água e 90% da população tenha acesso à coleta e tratamento de esgoto. “Com esse planejamento é possível decidir qual o melhor modelo de gestão em cada região e buscar investimentos, sejam eles públicos ou privados, para realizar
essas obras e serviços e então dar uma perspectiva de mudança da realidade para a vida dessas pessoas”.