Por Agatha Gabi
Para encerrar o mês de Agosto e a semana em que celebramos o Dia da Visibilidade Lésbica [29 de Agosto], o Prensa de Babel seleciona poetas lésbicas que superam a informalidade criativa escrevendo sobre o amor entre duas mulheres e resistem: são mulheres que confirmam seu espaço em um nicho que pouco as privilegia, enfrentando o machismo hegemônico e a predominância masculina na esfera literária.
Os resultados da pesquisa “A personagem do romance brasileiro contemporâneo”, de Regina Dalcastagnè, pesquisadora, escritora e professora da UnB, mostram o panorama do privilégio de um espaço social restrito: minuciando antologias, vemos que as mulheres são um número muito pequeno, pois não contemplam nem 10% da totalidade de publicações à sua época – isso sem segmentar as escritoras e poetas lésbicas, negras, ativistas ou feministas. Ainda que muitas vezes invisibilizadas, estão na resistência fazendo eclodir microeditoras, edições independentes, projetos gráficos na Internet, livretos, saraus literários, batalhas, slams e a força das riquíssimas zines.
ANGÉLICA FREITAS
Poeta, tradutora e lésbica. Seu livro “O Útero é do Tamanho de um Punho”, que trata com exatidão demandas fundamentais tendo como princípio a mulher contemporânea, é vencedor do prêmio APCA de melhor livro de poesia de 2012.
“porque uma mulher boa
é uma mulher limpa
e se ela é uma mulher limpa
ela é uma mulher boa
há milhões, milhões de anos
pôs-se sobre duas patas
a mulher era braba e suja
braba e suja e ladrava
porque uma mulher braba
não é uma mulher boa
e uma mulher boa
é uma mulher limpa
há milhões, milhões de anos
pôs-se sobre duas patas
não ladra mais, é mansa
é mansa e boa e limpa”
FORMIGA
Com a mochila cheia de cadernos e escritos, sua presença e seus poemas, que relatam sua vivência negra, periférica e sapatona, são acolhidos nos saraus e slams da capital paulista. “Eu-Lésbika”, seu livreto com 14 poemas – e outros zines – podem ser encontrados gratuitamente na rede.
“perfeição
pra ela são
as coisas mais
simples da vida
além do mais
minha querida
é vingativa contra o patriarcado
faz estrago
até fazendo piada
minha amada
amante libertária
tática revolucionária
companheira se ama
não só na cama
ontem eu sonhei
que um beijo te dei
meu coração anunciou
olha lá a pretinha
cabelo trança nagô
violãocelo nas costa
ela tinha
orgulho das antiga amostra
na pele presente
mesmo do meu leito ausente
meu peito fica contente
quando te vê
e revê
África em você”
JARID ARRAES
Nordestina, escritora, cordelista e autora do livro “As Lendas de Dandara”, ilustrado e em prosa, que resgata a história de Dandara dos Palmares. Jarid também é criadora e mediadora do “Clube de Escrita para Mulheres”, projeto que se tornou coletivo.
“que mulher que
sou
me pergunto
espelhada
que mulher tem essa pele
desbotada
o que sou de mulher
com cabelos armados
e perigosos
que mulher periga
na linha encardida
da caixa parda
que mulher que sou
aos teus olhos
de mulher
sou repetição
diferença
ou sou resposta
quem sabe
ausência
que sou eu
mulher
misturada
entre cores
diluídas
e marcas
deixadas
não sei que mulher
é meu tipo
de ser
se sou como ela
como outra
se minhas raízes
se fazem entender
pergunto
no espelho
com o tubo
de creme
que mulher sou eu
mulher-quase
mulher-nem-tanto
mulher-um-pouco-demais
para não ser”
TATIANA NASCIMENTO
Idealizadora da editora artesanal “Padê Editorial” e do projeto Palavra Preta, uma mostra de autoras negras, Tatiana também é poeta, compositora e tradutora. Seu primeiro livro de poemas, “Lundu”, foi lançado em 2016.
“ouve a cor desse adeus
eu vou partir do cais
que é você
quando tempo escorrer
esse afeto de sal
vai dissolver
que nem onda sumindo em espuma
afogar no meu peito abissal tanto mar
grão de areia que nunca ardeu de calor
sonhando vidro se quebrou
olha o som desse adeus
deixa partir o caos
que eu virei”
CECÍLIA FLORESTA
A poeta paulistana carrega intensidade nos seus versos. Além de escrever, também trabalha com edições e revisões. “Poemas Crus” é um de seus livros publicados.
“agosto não é
um mês desgostoso para nós
talvez pros outros
dia qualquer, agosto
te escrevo um poema
pra destemperar a língua
que te pinta insosso
pois que carregas os nomes
das minhas irmãs
& as pesadas palhas
do meu orixá de cabeça
31 dias amenos
compõem o seu corpo
pra lembrar dos outros trezentos
e tantos dias em que permanecemos visíveis
nos muros ruas calçadas das cidades
goste ou não a normatividade
agosto é um mês de luta
de rixa a favor de nós
& que se gastem os outros
mas agosto
não se esqueça:
apesar do variado de seus gostos
todo dia eu acordo sapatão”
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