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Uma copa para quem não lava um copo

Lembro em 2014, no Sarau Divergente, organizado pelo Mano Teko, na Cinelândia, em frente a ocupação Manoel Congo, a fala de uma companheira, sobre a remoção de uma comunidade em virtude das obras megalômanas da Copa do Mundo e todo o processo de resistência em questão.


Lembro das reportagens da Agência Apublica sobre os impactos funestos das obras da copa, de entrevistas com as pessoas que perderam sua moradia no processo. Lembro da ESPN Brasil, na época, com um editorial de primeira grandeza, fazer uma série de denúncias dos desmandos e desvios de verba com construção dos estádios.


Lembro também dos manifestantes nas ruas, dizendo não a Copa, recebendo as saraivas de tiros de borrachas, bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes. Lembro porque fui crítico a Copa e as Olimpíadas, por aqui e um dos processos de luta sociais emblemáticos não poderia cair no esquecimento.


Assim como as pessoas eufóricas e felizes pela Copa e Olimpíadas, com seus churrascos, confraternizações e saídas mais cedo do trabalho. Fora os ingressos dados pelas empresas em que trabalhavam, o Estado do Rio de Janeiro dando ingresso aos seus servidores e promoções diversas, de bancos e lojas de conveniências.


Hoje, vejo incautos argumentando contra a Copa e Olimpíadas com uma propriedade tremenda, esquecendo clamorosamente o que estava fazendo em 2014 e em 2016, pessoas que sempre cagaram para quem realmente sofreu o impacto das obras dos grandes eventos, aliás, pessoas que celebraram os grandes eventos. O que acontece de fato?


Percebo nitidamente uma tomada de pauta do ativismo social com aquele desvio básico de fim. Estão se pegando todas as pautas dos ativistas sociais contra a opressão do Estado, e aí analisa-se o Estado como corpo social, que independente de partido, opera em favor de uma determinada classe e se diz que essa ação opressora e corrupta aconteceu por conta de ativistas sociais terem ocupado o Estado.


O importante é que os ativistas sociais, que lutam pelo povo, estão nas ocupações, comunidades, vielas, aldeias, no campo, sempre na lógica de negociação e conflito com os mais diversos aparelhos repressores presentes. De milícias armadas a reintegrações de posse dadas a donos que devem anos e anos de IPTU.


A apropriação do discurso associado a uma lógica de combate a uma corrupção de filme B ganha conotações de histeria com um represente que ocupa a cadeira máxima do executivo incitando todo tido de ideia contraproducente a um avanço de formulações de sustentação social.
Como se a única ideia de sociedade existente fosse aquela em que você é próspero a ponto de não precisar lavar um copo porque tem alguém que lave para você e todo seu esforço e grito é para impedir que outros impeçam esse seu suposto direito.


Pois bem, essa sociedade brasileira que se desnuda a cada dia, a cada minuto, não tem interesse na seguridade social, naquilo que a constituição garante ou aquilo que se deveria considerar digno para cada uma das pessoas no território. O que é digno é a capacidade de subjugar e humilhar o próximo em prol do luxo e consumo e cinicamente esquecer do que se beneficia e ou se lambuza, para não deixar o outro ter autonomia, dignidade e ao menos escolher viver.


Estamos no momento histórico em que pessoas estão se colocando no direito de decidir quem vive e quem morre, quem fala e quem fica quieto, quem limpa e quem suja. Simplesmente é isso a tensão existente no Brasil atual. E para não dizer que falei demais, o que esperar do futuro, além da catástrofe iminente?

Este é um artigo de opinião de responsabilidade do seu autor e não representa necessariamente a opinião do Jornal.

Fábio Emecê é professor, rapper e ativista antracismo

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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