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Uma aula de inglês nestes tempos de peste

Mark está se sentindo no xilindró, mas, com a vista de uma das praias de Búzios, ” sem ver o sol nascer quadrado”/ Reprodução

Em inglês – minha língua materna – uma situação como a atual provoca, inevitavelmente, uma síndrome que nós, anglófonos, chamamos de “cabin fever”. E é uma síndrome que não tem absolutamente nada a ver com a doença que todos nós estamos tentando evitar nestes dias. “Fever” é fácil. “Fever” é febre. “Cabin” é um pouco mais difícil. “Cabin” pode ser cabana, por exemplo. Uma habitação rústica, não muito grande. Quando eu ouvia a expressão “cabin fever”, quando criança nos EUA, eu sempre imaginava uma experiência de confinamento numa cabana na floresta, no sopé de uma montanha, longe de tudo e de todos, durante uma tempestade de neve. Quem estava dentro dessa cabana estava tão preso quanto um presidiário, pelo menos até que a tempestade passasse. (Mas com desculpas aos presidiários que vão descobrir uma inocência totalmente risível nessa comparação. Afinal, eu poderia abrir a porta e sair a qualquer momento; nenhuma montanha de neve, nenhum guarda prisional bloqueia meu caminho. Além disso, tenho todo tipo de conforto que a eles falta, tenho uma companheira maravilhosa, etc.)

Com justiça ou sem justiça, eu comecei a experimentar essa “cabin fever” poucas horas após o início do nosso auto-isolamento, exortado pela Organização Mundial da Saúde e várias autoridades locais, apesar de, em última análise, auto-imposto. Lembrei-me da descrição que eu li, anos atrás, de um brinquedo, na verdade um brinquedo sexual: “Algemas de brinquedo tão realísticas e tão resistentes que você não consegue sair de forma alguma – a menos que você realmente queira”. Estranho. Sob circunstâncias normais, eu fico às vezes em casa por três ou quatro dias a fio, sem sair, nem para comprar uma empanada na Empanadaria Real, na Turíbio, e não somente não sinto essa “cabin fever”, sinto aconchego, sinto-me privilegiado. (Sou velho, aposentado. Não sou mais obrigado a ganhar a vida lá fora na rua.) Mas assim que me autoconfinei, por medo da praga, eu senti coceiras, inquietação, instabilidade psicomotora. (Esse último termo não é meu; encontrei-o na Internet.) Sinto-me – mais uma expressão em inglês – “cooped up.” “Coop” é galinheiro e, portanto, sentir-se “cooped up” é ter a sensação de ser confinado dentro do espaço estreito de um galinheiro. Estou ficando “stir crazy”, “stir” em inglês sendo, entre outras coisas, uma gíria para cadeia, xadrez, xilindró. “Crazy”, como todo mundo sabe, = louco.

Em inglês, quem vivencia essa “cabin fever” começa frequentemente a “climb the walls” ou, traduzindo literalmente, a subir pelas paredes. Não literalmente, é óbvio. Somos gente, não somos lagartixas. A nossa sensação de confinamento nestes dias difíceis é, eu acho, principalmente uma rebelião mental. Ao fim das contas, NÃO somos atados a uma roda de tortura, e imobilizados. Nada semelhante. Levantamos, deitamo-nos, fazemos exercícios se quisermos, caminhamos em nossos quintais e jardins. Mas parece-me que traduzimos a nossa sensação de confinamento, em grande medida mental, no físico, no somático, e desenvolvemos algo como a famosa síndrome das pernas inquietas ou a hiperatividade característica do transtorno do déficit de atenção de uma porção da nossa criançada. Ficamos – mais uma boa palavra em inglês – “fidgety”. Ou seja, não conseguimos ficar sentados quietos. E, se o modelo não é cabin fever mas a sensação de estar “cooped up”, queremos “fly the coop.” Fly = voar. “Fly the coop” = voar (para fora de) o galinheiro, ou seja, escapar. (Não se preocupe demais com a gramática. É uma expressão. E, a propósito, usei uma modalidade de “autoconfinar-se”. Autoconfinar, sem o reflexivo, não bastaria? O reflexivo não é pleonástico? Pergunto porque esta língua que venho usando não é a minha. Tomo-a emprestada.)

Quem dera fosse essa pandemia uma temporada isolados em uma aconchegante cabana mas montanhas. Mas nas montanhas fluminenses medo ronda: já são 4 casos confirmados em Petrópolis

Mas, voltando a nossa aula de inglês em tempos de peste, mencionei a Barbara, minha mulher, também de origem norteamericana, essa imagem que eu tinha em minha mente de uma cabana na floresta durante uma tempestade de neve, e ela estranhou. Ela sempre tinha pensado que a “cabin” referenciada era uma cabine num navio. Ou seja, a “cabin fever” referenciada era a sensação de confinamento engasgante vivenciada pelos passageiros em longas viagens marítimas em outros séculos. Parecia-me absolutamente claro que, etimologicamente falando, ela tinha razão. Só uma coisa. Quando veio à minha mente a ideia de investigar na Internet, descobri um verbete na Wikipédia em que as referências a cabanas prevaleciam sobre as referências a cabines. Wikipédia menciona o “The Gold Rush” (“Em busca do ouro”) de Charlie Chaplin e o “The Shining” (O Iluminado”) como exemplos de filmes que tocam no assunto e o “Crime e Castigo” de Dostoiévski no campo de literatura.

Fui também a vários dicionários à procura de um equivalente a nossa (anglófona) “cabin fever” em Português. Em alguns lugares, encontrei “febre de cabine”; em outros, “febre de cabana”. Mas não tenho a impressão que é uma expressão muito comum aqui no Brasil. Nos resultados no Google, as expressões “febre de cabine” e “febre de cabana” aparecem frequentemente entre aspas como se fossem estrangeirismos que tinham a capacidade de contaminar. Num resultado totalmente tresloucado: “Se você não está familiarizado com esta expressão” – neste caso, “de cabine” – ela remonta aos anos 1800 quando as pessoas precisavam ser isoladas ou permanecer dentro de casa por causa da Gripe Espanhola.” Ridículo. A gripe espanhola assolou o mundo entre 1918 e 1920. Mas a expressão já existia, sim. Originalmente, era, aparentemente, um termo popular para a febre tifóide. Outro detalhe: Em 1980, Richard Pryor e Gene Wilder apareceram numa comédia carcerária sob o título “Stir Crazy”. Foi lançado no Brasil sob o título “Loucos de Dar Nó”.

“Ilustração muito boa para se referir ao presidente do Brasil, nosso Homer mais irresponsável” – afirmação de total responsabilidade do editor. Não foi ideia do Mark

Imagino que vocês, brasileiros da gema, quando começando a sentir a miséria do nosso confinamento, nesses dias estranhos, dizem simplesmente que estão enlouquecendo. Boa palavra. Nada contra. Fora da cidade de São Joaquim em Santa Catarina, não temos muita neve no Brasil e pode ser que, não tendo muita neve, não temos muita “cabin fever”. Antes deste coronavírus, não precisávamos muito do termo. É só que a palavra enlouquecimento é menos específica do que “stir craziness” e “climbing the walls”. Este confinamento enlouquece, mas o alto volume das caixas de som do vizinho enlouquece, as chatices no serviço enlouquecem, a criançada, quando se comporta mal, enlouquece. Tudo enlouquece. De qualquer forma, temos, na situação atual, que combater este enlouquecimento, este “stir craziness.” Temos que combatê-lo com muita força. O verbete na Wikipédia instrui que a “cabin fever” não é uma doença em si; portanto, não há prognóstico. A “cabin fever” pode, não obstante, levar o sofredor a tomar decisões nocivas ao seu próprio bem-estar ou até ao bem-estar de outras pessoas com as quais está confinado. Suicídio, por exemplo. Não vamos lá. A “cabin fever” é um mal menor, como o tédio. Muito mais difícil, o que os heroicos médicos e enfermeiros e socorristas, assim como as pessoas trabalhando em supermercados e farmácias e em delivery, estão fazendo para nós dia após dia. Todos os louvores a eles. 

A Fera voltou! A Prensa comemora o retorno do nosso colunista que melhor escreve em português.

Mark Zusman é jornalista e, sim, ele é americano e mora em Búzios-RJ

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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