O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou nesta semana que o uso de paracetamol (Tylenol) durante a gestação poderia estar ligado ao aumento de casos de autismo. A declaração, feita em evento na Casa Branca ao lado do secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., gerou repercussão internacional e foi alvo de críticas da comunidade científica.
Entre as vozes que contestaram a fala está a pediatra Dra. Anna Dominguez Bohn (CRM-SP 150.572), membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), com residência em Terapia Intensiva Pediátrica pela USP, especialização no Hospital Sick Kids (Toronto), MBA em gestão de saúde pelo Hospital Albert Einstein e atuação em hospitais de referência como o Sírio-Libanês e o Einstein.
Segundo a especialista, não há evidências que sustentem a associação direta.
“O maior estudo já realizado sobre o tema, envolvendo 2,5 milhões de crianças na Suécia, não encontrou aumento no risco de autismo em filhos de mulheres que usaram paracetamol durante a gravidez. Quando compararam irmãos, inclusive em famílias com histórico de autismo, a diferença foi zero”, afirmou.
Evidências científicas contrárias à polêmica
A médica explica que os poucos estudos que sugeriram algum risco apresentam falhas metodológicas.
“Muitas pesquisas foram feitas com base em recordações maternas de uso do medicamento anos depois da gestação, o que é impreciso e sujeito a vieses. Além disso, não foi identificada relação com dose: mulheres que usaram mais paracetamol não apresentaram risco maior de ter filhos com autismo”, destacou.
Bohn lembrou ainda que o medicamento é amplamente utilizado desde os anos 1950, enquanto as primeiras descrições do autismo datam de 1911. “Atribuir uma condição complexa a um único fator, sem respaldo em evidências, reforça estigmas e pode levar mães a uma culpa injustificada”, disse.
Risco de não tratar febre na gravidez
Para a pediatra, o alerta mais importante é o perigo de não tratar febre durante a gestação.
“A febre materna está associada a malformações e complicações no feto. Desaconselhar o uso de um medicamento seguro, sem oferecer alternativa adequada, pode ser perigoso. Cada caso precisa ser avaliado com critério médico”, ressaltou.
Reação internacional
Revistas científicas como a Nature também contestaram a fala de Trump, reforçando que não existem dados que justifiquem restringir o uso do paracetamol durante a gravidez. Países como Japão e Noruega chegaram às mesmas conclusões que o estudo sueco em análises populacionais recentes.
Para Bohn, o episódio evidencia os riscos da desinformação em saúde quando propagada por autoridades políticas.
“Ciência não é opinião: é construída com dados, décadas de estudo e rigor metodológico. Trazer à tona dúvidas sem base sólida só amplia o sofrimento das famílias e dificulta o acesso a informações corretas”, concluiu.