Por Vilmar Madruga
Sou deísta, cristão e evangélico. Sou contra o ensino religioso nas escolas. Sou a favor do estado laico. Luto contra a homofobia. Sou contra a censura da arte e a favor da liberdade da cultura e das diversas manifestações religiosas. Passado o espanto posso explicar o motivo de declarar publicamente minha confissão de fé e minhas posições politicas.
Acredito que a experiência da conversão e a revelação de Deus devem se dar no âmbito da liberdade e não de uma visão imposta e catequizada. Chegou a hora dos evangélicos que não deixam seus cérebros na porta dos templos saírem do armário. Somos confundidos com Felicianos, Malafaias e Bolsonaros. Alto lá, cara pálida. Nem todo o crente é alienado e nem todo pastor, um gigolô de Cristo, como tantos afirmam.
Não há equivoco maior do que combater um preconceito com outro. Posso dizer que não é nada fácil explicar para alguns dos meus pares seguidores de Jesus, de que podemos investigar se algo é crime mas nunca decidir se algo é arte. Claro que estou falando da recente polêmica sobre as exposições do Mam e do Santander. Não vi e não posso fazer uma crítica mais elaborada do que estava lá. Não gostei de algumas imagens por motivos totalmente diferente dos correntes, mas não diria que aquilo não é arte. Também não gosto das letras de alguns funks, mas não me atreveria a dizer que aquilo não é música.
Se 92% dos brasileiros não frequentam museus como podem saber quando estão diante de uma obra de arte ou não? A pintura do hoje incensado Van Gogh era considerada um lixo, tanto que morreu na miséria. A arte sempre esteve a frente de seu tempo. Ou não: se limitou a reproduzir o belo para ser aceita pela burguesia e enfeitar seus salões. Mas nunca deixou de ser arte por que alguém assim o quis. Nestas horas, sempre lembro de Drummond: Se meu verso não lhe agrada, seu ouvido é que está torto.
Mas, voltemos a questão mais polêmica: durante uma performance artística uma criança assistida pela mãe é estimulada a montar um novo desenho de um corpo deitado. Vamos à didática: a performance é baseada na obra Bichos de Lygia Clark. Peças de metal articuladas cujas estruturas podem ser modificadas pelo espectador compondo novos desenhos. Simples assim.
Por se tratar de um corpo humano a proposta poderia lembrar nossas inocentes brincadeiras de estátua na infância ou dos exercícios de aquecimento de grupos teatrais. Se o artista estivesse de malha, beleza! Mas, estava nú! Foi o suficiente para levantar alguns setores da sociedade que viram erotização e pedofilia na cena. Quanto equivoco! Em minhas experiências de modelo vivo no atelier em casa, minha mulher e minhas filhas ainda crianças conviveram com homens e mulheres de todas as formas e etnias que posavam nús. Ninguém ficou traumatizado por isto. Posso lhes garantir: um corpo é um corpo, é um corpo, é um corpo.
E um corpo nú, diante de uma plateia vestida é de uma vulnerabilidade indizível. Pedofilia assistida e consentida pela mãe que conhecia o repertório emocional daquela criança? Desculpem informar: vocês exageraram na fantasia. Os pedófilos agem vestidos para não chamar a atenção e frequentam sua casa, suas festinhas e até a sua igreja. Assim, talvez tenha que desapontar alguns grupos que esperavam de mim um reforço ao coro dos detratores da arte e da cultura e me alinhar aos que gritam por politicas públicas de combate à pobreza e a proteção à infância. A falta delas sim, um atentado a moral e aos bons costumes. Tratemos disto sem dogmas, sem hipocrisias. E principalmente sem embaraços e constrangimentos para estes inocentes. Pois deles é o reino dos céus.