Por Fábio Emecê
Tiradentes, o herói da Inconfidência Mineira, hermeticamente pincelado para decorar o mito brasileiro de lutar, não desistir e até morrer por uma causa. Dentre várias revoltas contra a Instituição, seja o Império, seja a República, Tiradentes foi premiado com um feriado.
Um herói reconhecido, fato! Ou fato? O mito se intensifica, se naturaliza e diante daquilo que estamos vivendo, se recauchuta. Ao mesmo tempo temos Rafael Braga, condenado a 11 anos e 3 meses de prisão, primeiro pelo Pinho Sol e depois por portar uma quantidade pífia de drogas mais um rojão, implantado pelos PMs que o prenderam.
Um vilão, condenado no dia de Tiradentes. Vilão mitificado brasileiro. O preto, o pobre, o invisível. Precisamos elimina-los, encarcera-los, explodi-los ou qualquer coisa que reforce o mito de que todo o esforço é possível pra nossa segurança e paz.
Nossas datas comemorativas são para compensar aquilo que sabemos que qualquer gestão nunca se preocupou de fato. Direitos Humanos, Justiça e Segurança Pública. Um tripé que causa sempre confusão ou convulsão por conta do não entendimento daquilo que isso possa representar.
Na ignorância dos conceitos, Zumbi se torna escravocrata e João Fernandes continua só sendo uma praia buziana. Bolsonaro se torna opção e a democracia representativa no Brasil ainda tem jeito. Certo, não sou tão descrente como poderia ser, só que não acredito em heróis, de nenhuma espécie. É perigoso acreditar que existe um líder, um santo, um mestre que pode nos salvar da merda.
Acredito em lógicas coletivas, horizontais, com a rede de solidariedade capaz de sustentar e defender aqueles que fazem parte. Além da lógica coercitiva, além de alguém assinando um termo de regras. São pessoas que se olham, se falam e se entendem. Talvez se isso funcionasse de fato, Rafael Braga nem estaria preso ou já estaria solto pela pressão dos nossos.
Tiradentes não representa meu acreditar, minha utopia, minha proposta de libertação e aliás, além do mito, Tiradentes não representa nada pra ninguém. A vida poderia ser bem mais, mas entre heróis e vilões, os nossos morrem. E não tem revolta constitucional…
Fábio é professor do estado do Rio de Janeiro, rapper, escritor e ativista ant-racismo