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Forte São Mateus, em Cabo Frio. Fotos Evangelos Pagalidis

 

Professor Paulo Roberto

Forte São Mateus, em Cabo Frio. Fotos Evangelos Pagalidis
Forte São Mateus, em Cabo Frio. Fotos Evangelos Pagalidis

Quando o Código Criminal da República foi promulgado, em 1891, previa-se nesta legislação que a “Capoeira” seria crime, passível de prisão. No Rio de Janeiro, jogar capoeira era uma das atividades mais combatidas pela polícia da época. As maltas de capoeiristas não eram formadas somente por africanos ou crioulos, aqueles escravos nascidos no Brasil. Havia brancos também, inclusive portugueses. É o que encontramos na obra de Carlos Eugênio Líbano Soares, autor de “A Capoeira Escrava”, obra fundamental para a compreensão desta arte marcial como expressão da escravidão urbana no Brasil.

Da mesma maneira, a romaria de devotos em outubro, para participarem da Festa da Penha, transformou aquele evento na manifestação popular mais conhecida do público carioca, no início do século XX. Na Festa da Penha, compositores como Pixinguinha, Donga, Noel Rosa, entre tantos outros, iam para verem e serem vistos. Era ali que os sambas que seriam a trilha sonora do Carnaval do ano seguinte eram lançados. Para variar, a festa também era combatida tenazmente pela Polícia, que não se cansava de usar a cavalaria contra os sambistas que se misturavam aos devotos de Nossa Senhora da Penha.

Hoje, passados mais de século ambas as manifestações são considerados ‘patrimônios” da cultura popular carioca e brasileira. Mas, enquanto foram manifestações tipicamente populares, o Estado tratou-as de modo muito diferente.

Forte São Mateus pichadoNesta semana em Cabo Frio, um dos monumentos mais caros da cidade, o Forte São Mateus, amanheceu com suas paredes pichadas. Divulgada a notícia do ato de vandalismo, as reações pediam tratamento sumário ao culpado, caso fosse encontrado. O Poder Público está coberto de razão em coibir qualquer ato contra a memória e a história de uma comunidade. Mas cabe aqui perguntar, o que não poderia ter sido feito para que tantos outros patrimônios da região tivessem assegurados a sua preservação.

Refiro-me não apenas ao patrimônio arquitetônico, mas também ao imaterial, aquele patrimônio onde encontramos muitas práticas e tradições que qualificam uma comunidade como única. A Região dos Lagos, desde a década de 80, foi alvo de intenso processo de urbanização desordenada e especulação imobiliária. Uma região tradicionalmente conhecida por abrigar comunidades de pescadores tradicionais teve sua paisagem alterada radicalmente no espaço de menos de uma geração. Tal como aconteceu em outras regiões litorâneas do Brasil, foi um processo muito profundo de transformação que está longe de terminar.

Pois bem, neste mesmo processo muitos patrimônios da flora, da fauna, das comunidades tradicionais e também arquitetônicos deram lugar a um modelo de desenvolvimento que urbanizou rapidamente as cidades da região. Só para que o leitor tenha uma ideia da intensidade do processo, em 1872 em pleno século XIX, toda a população de Cabo Frio não tinha mais que 12 000 pessoas. Em 1970, ano em que o Brasil sagrou-se tricampeão de futebol, a cidade chegava aos 35 000 habitantes. Ou seja, Cabo Frio levou 100 anos para dobrar sua população. Quando o Censo de 2010 foi realizado, a mesma Cabo Frio chegava próximo a 190 000 habitantes. Ou seja, em 40 anos, a população da cidade cresceu mais de 4 vezes. Repetindo, em um século a população de Cabo Frio dobrou de número, mas em 40 anos, ela cresceu 4 vezes! Processos de urbanização assim, só são encontrados na Ásia.

Estou importunando o leitor com estes números apenas para mostrar a dimensão e a intensidade do processo de urbanização. Neste roldão, as cidades da região pagaram um alto preço pela perda de muitos de seus patrimônios.

É o caso de perguntar quem foi o responsável por tudo isto. A pichação do Forte de São Mateus me fez pensar em como podemos ao mesmo tempo proporcionar desenvolvimento para a região, sem que com isto tenhamos de sacrificar mais deste combalido patrimônio. E mais, qual o papel que a comunidade teria na sua preservação. Exigir a cabeça do culpado de um ato de vandalismo é a única coisa que nós, enquanto comunidade, podemos fazer?

Interior do ForteNão é de hoje que as Ciências Sociais, principalmente a Economia dedicam-se a estudar como as sociedades se organizam para resolver os problemas que as assolam. No jargão científico, isto é chamado de “Escolha Pública”. Um exemplo: é melhor privatizar a Educação ou deixá-la sob a administração do Estado? Sistemas de telefonia funcionam melhor quando os serviços são prestados por empresas privadas ou pelo Estado? Deve-se ou não fazer uma reforma da Previdência? Estas são apenas algumas das questões que envolvem escolhas públicas.

É possível conhecer uma sociedade, assim como os indivíduos que dela fazem parte, pelas escolhas públicas que elas fazem. O rabisco na parede do Forte São Mateus é um lembrete de que nossa responsabilidade vai muito além do que apenas punir o culpado.

 

Professor Paulo Roberto
Professor Paulo Roberto é professor de História e morador de Cabo Frio

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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