Assisti do vídeo da professora Diva na FLIP e me emocionei. Muitas pessoas se emocionaram, muitos se solidarizam e muitos, mas muitos, não entenderam porcaria nenhuma. Entre comentários que a FLIP esqueceu a literatura e portou na política e os mesmos comentaristas se esquecem ou não sabem que o verbo é político, pois movimenta, lembrei-me de umas coisas e vou compartilhar.
Tive duas vós esplendorosas, Dona Eunice e do Dona Julita. As duas vindas de Zona Rural. Dona Eunice, da zona rural de Campos dos Goytacazes e Dona Julita, da zona rural de São Pedro da Aldeia. E como tive a sorte de ser o neto “preferido” delas durante um tempo, o contato foi bem estreito.
Dona Eunice gostava de sentar comigo e conversar. Falávamos sobre várias coisas em vários momentos e ela sempre separava coisas gostosas da casa dela para me dar. Comíamos coisas que ela não podia (ela era diabética) e dialogávamos sobre o nosso mundo. Sobre o que exatamente, Emecê? Realmente não lembro, só sei que ficou meu gosto de ouvir histórias sobre pessoas e suas tentativas e erros na vida.
Dona Julita contava histórias de família, da roça e além disso, sempre se preocupava com minha alimentação. Até hoje tenho restrições por certos alimentos por conta da enxaqueca. Sem contar que minha única festa, festa mesmo de aniversário foi na casa dela. Nos meus vacilos juvenis, ela me deu um único conselho ou esporro, como queiram: “Juízo!” Com ela aprendi que a palavra tem poder, sendo colocada no tempo e na hora certa. Sem contar que ela voltou a estudar depois dos 70 para ler a Bíblia.
Dona Diva, professora aposentada, observadora e inquieta, mostrou, mais uma vez, como já foi mostrado e continuará sendo mostrado que além dos silenciamentos e dores, não se desperdiça oportunidades para se colocar o papo reto. Sempre se mostra a vivência como algo insuperável e todo o conhecimento extraído dela é fundamental para continuar andando.
Dona Eunice e Dona Julita faleceram por complicações de pressão, diabetes e tudo o mais. Elas tinham muito o que dizer, muito o que mostrar, muito o que ensinar, mas o canal de escoação delas era pouco ou nenhum. Durante um tempo, eu fui esse canal e por mais que não tivesse a instrumentação daquilo como necessidade, fui um ouvinte, um feliz ouvinte, um teimoso ouvinte e um aprendiz ouvinte.
Trajetórias essas nos dizendo o problema a ser resolvido. O direito a fala, o direito a existência, o direito a contar a nossa história, o direito de ser livre e Dona Diva diz, só é livre com o conhecimento. O corpo fala e se move, mas sem o conhecimento ele é alvo, marcado e alijado nos territórios mil de onde saíram minhas avós e de onde fui parido.
Antes de escrever o texto que se segue, assisti um pequeno vídeo da rede de TV Al-Ajazeera sobre a situação das favelas do Rio. Um pai, junto a uma criança, chorava, pois tinha indo buscar sua filha na creche mais cedo por conta do confronto da polícia x tráfico. Ele reclamava, lamentava, sangrava por dentro, dizendo que ele estava preso em seu território por uma guerra que não era a dele.
Dona Diva disse, Dona Eunice e Dona Julita sempre disseram. Lutamos ou levamos diante de uma guerra que nunca foi nossa. Somos amassados para se manter uma ordem, uma casta, uma rede de privilégios e satisfações nos quais a maioria de nós jamais terá acesso.
Ou nos fortalecemos e entendemos a mudança da nota ou Dona Diva, Dona Eunice, Dona Julita e tantas outras Donas terão vivido em vão. Por enquanto não, elas semearam uma estrada, Dona Diva ainda semeia e vamos nos apropriar do que é nosso.
Continuemos e viva o conhecimento!
Foto FolhaPress