De tempos em tempos é sempre bom retornar ao trabalho missionário de pregar fervorosamente o poder “sobrenatural “ do livro para a libertação das mentes e a elevação do homem. Eu poderia pixar (é assim mesmo com x que se escreve, melhor ainda é dizer “mandar um xarpi”) nos muros : “Só a leitura salva”. Ou parafrasear um notório pichador religioso do Rio e fixar nas principais vias de acesso: “Só o livro expulsa o demônio das pessoas!”.
Vem da infância as primeiras lembranças do contato redentor com os livros. Monteiro Lobato e o ‘Poço do Visconde” – Magnífico (mas rápido percebi o seu racismo)- alem do clássico “O Pequeno Príncipe” e seu discurso humanista, porém um tanto por demais romântico: “ Você é eternamente responsável por aqueles que conquista”, meio possessivo isso.
Há um livro que ficou marcado fundo na minha alma, mas que minha memória não conseguiu guardar o nome da autora- mas lembro que era autora- se chamava “O caçador de Cacos”, acho. Livro infantil atípico, soturno.
Mas a grande epifania – mantendo assim o teor religioso do texto- foi com Ziraldo e o seu “O Menino Maluquinho”. Foi uma transformação em mim desde os fundamentos da minha pessoa tão criança. Era a história de um menino- e estava na biblioteca da escola governada por mãos de ferro de uma diretora que ainda dava reguadas nos alunos- com o olho maior que a barriga, fogo no rabo e pés de vento. Simplesmente fantástico!
Entre livros como a história de um garoto que virava burro ao desobedecer a professora surgia esse menino tão parecido com os meninos de verdade. Dali em diante eu me fundava como homem- ao menos o homem em constante formação que víria a ser- e como um improvisado pensador livre. Tentei roubar aquele livro – mas ainda não tinha a manha necessária que depois viria a ter, e que me levou a conseguir êxito em vários roubos literários na vida- em vão.
Depois minha prima ganhou o livro, sabia que ela não leria- e não leu- pedi para mim. Ela não me deu, chorei escondido. Era o inicio de minha relação passional com os livros.
Decidi ainda na tenra idade a ter o mesmo futuro do Menino Maluquinho: “ Ser um cara legal, mas um cara legal mesmo, um cara legal”. Se eu tiver conseguido isso já posso me considerar realizado. Espero. O certo é que cresci, e tive filhos, todos apaixonados por livros. Todos encantados com o Menino Maluquinho e conhecedores da pessoa e da obra de Ziraldo.
Estive com Ziraldo pessoalmente rapidamente em um momento triste, a missa de 7º dia da prima de minha esposa Camila, nós nem filhos tínhamos ainda, então falei a ele sobre o meu irmão mais novo – na época uma criança, e de como ele o admirava – fiquei com vergonha de falar sobre mim.
Mas em 2015 Ziraldo veio a Búzios lançar um novo livro, deu palestra, falou de literatura, desenhou, e mostrou indignação politica. “Nossa grande vingança contra os nossos políticos traidores é sermos, apesar de tudo, felizes. Apesar do Eduardo Cunha nos vingaremos sendo felizes”, disse na ocasião.
É claro que nesse dia levei os meninos – tinha apenas o Davi e o Daniel, Lucas era ainda apenas um brilho em meus olhos. Compramos o novo livro, mas o que queríamos mesmo era levar até ele o Menino Maluquinho que tinha sido meu, do meu irmão mais novo, e agora era dos meus filhos. Esperamos ansiosos em uma fila de mães se esforçando para manter o interesse dos filhos de irem até o final da empreitada, e pais meio que acompanhando as esposas meio que obrigados (pode ter sido apenas um má impressão minha).
Quando chegou a nossa vez não nos decepcionamos com Ziraldo. Ele foi extremamente simpático com os meninos, do jeito que sei que eles esperavam que ele fosse. Quando Ziraldo abriu aquele livro todo pintado de lapis de cor e com os primeiros traços de escrita dos meninos nas partes não grafadas do livro ele, Ziraldo, foi mais que esperávamos: se emocionou e seus olhos se encheram de lagrimas.
“Como meu coração fica contente quando vejo meus livros assim. Eles foram mesmo manuseados, eles curtiram mesmo o livro”, ele repetiu umas três vezes e apontava os desenhos dos meninos nas partes em branco do livro e dizia: ” Vejam, é a turminha de vocês , não é?”. Daniel – responsável pelas figuras humanas desenhadas no livro balançou a cabeça afirmativo. Davi estava extasiado diante do ídolo. Eu e Camila felizes e felizes, tanto de não caber mais tanta felicidade dentro da gente, por ter podido proporcionar aquele momento único aos nosso filhos.
Não sei se eu me tornei o cara mais legal do mundo. Não sei nem se me tornei apenas legal. Mas tenho certeza que meus filhos também perseguirão esse objetivo e serão felizes.
” E foi aí que
todo mundo descobriu
que ele
não tinha sido
um
menino
maluquinho
ele tinha sido era um menino feliz!” – última parte do O Menino Maluquinho
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