“Se o homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável.” Sêneca
Por George Costa – Professor de Sociologia da Rede Estadual de Ensino
É um espetáculo deprimente. Cada vez mais uma tragédia. Essa sociedade não tem me chocado mais. Ela simplesmente é surreal. Me surpreende o seu pacifismo desmedido. Sua apatia imbecilizada. Sua “alegria” plagiada e que não contagia. Uma sociedade que vive o ódio entre os seus. Que rir entre os dentes e que apunhala quando se tem oportunidades. Estou falando do Rio de Janeiro. Falo de um território que por estar próximo de outras, contagia.
Não precisa ser um excelente observador para perceber a decadência, a desestruturação e a total desintegração do Rio de Janeiro. Há começar pela quadrilha de criminosos que se instalou no governo, situação essa que já vem há décadas. Mas não vou entrar nessa discussão agora. Refiro-me, diante mão, de uma população cabisbaixa, desorganizada, acoada pela violência, seja lá do Estado, da mídia, do tráfico e da máfia. Uma população que também deve ser responsabilizada por suas escolhas. Uma nação tem um governo que merece, e um povo só se faz por merecer quando se reconhece enquanto povo. Ainda é tímido esse sentimento na população.
Ao ler um jornal de grande circulação aqui no Rio, parte de uma das maiores corporações de mídia do Brasil e do mundo, você tem um grande foco; entretenimento. O pior disso é que o entretenimento é a violência e show business. E não me espanto em entender o porquê esse jornal tem uma grande tiragem. São 1.506.000 leitores com 84.525 exemplares em dias úteis, sendo 155.820 leitores nos domingos. Contudo, o conteúdo informativo desse modelo de mídia é o que já foi exposto, entretenimento. Sem falar é claro nos jornais televisivos que “promovem” o terror da violência da corrupção e do tráfico com a imposição do senso comum. E a população compra. Não se indigna, não se questiona não se pergunta o porquê disso. Vivemos naquela concepção romana do ´pão e circo para o povo´.
Uma outra situação que merece destaque é essa relação entre igreja e política. É só perceber a conjuntura recente com a eleição do atual prefeito do Rio de Janeiro, ligado a uma forte instituição religiosa “neopentecostal”. O problema não está na crença do indivíduo, mas na intromissão de seus valores na esfera pública. Não se governa para igrejas, mas para a sociedade. Sabemos que a maior parte das comunidades periféricas do Rio estão hoje sob uma forte influência de igrejas pentecostais e neopentecostais. A própria composição da ALERJ hoje tem uma influente bancada evangélica, dos 70 deputados, 11 fazem parte desse grupo. Não precisa ter um olhar clínico para perceber o estado lastimável de alienação, intolerância e emburramento da população aqui no Rio de Janeiro. Isso me lembra o velho filósofo Nietsche quando diz que a religião, em particular a cristã, tem falsificado o conceito de Deus. Não é de se admirar porquê a nossa população passou do estado de pacifismo para o idiotismo completo.
Vejo perplexo como a mídia elege o seu foco. Semana passada foi a situação crítica e o desmonte da rede pública de saúde, promovida pelos governos, para ser bem claro, pelos políticos que estão no governo, através das OS (organizações sociais), que no fundo, trata-se de um modelo privatista da Saúde. Mas a população só sabe reclamar, esperar os messias políticos.
Depois do horror promovido pela mídia, agora é a vez das enchentes, do tráfico, mas acaba bem a reportagem um grande foco no carnaval. Sempre o mesmo blablablá. E nada se muda, todo o ano se repete e nada se resolve, ou seja, a população cala e consente tudo isso. Mas não tem problema, vem aí o carnaval. E tudo se esquece. O país se torna o melhor do mundo; sem problemas, sem corrupção, sem violência, um povo alegre, organizado e feliz.
De fato, o povo merece. Mas não tem problemas, o negócio é orar, rezar pedir aos santos para que nos proteja, nos guie e nos salve de todos os problemas.
Um exemplo disso se passou na semana das comemorações dos capuchinos, organizadas pela Basílica de São Sebastião. Um cidadão, demitido há, pelo menos, um ano. Entretanto, pedia por fé para que recebesse as bênçãos e que tivesse um emprego. Como ele, centenas na mesma situação. Porém, os santos não ouviram, ou estão em estado de greve. Governos que regulam a economia, implementando políticas de ajustes fiscais. Levado a cabo por uma ideologia individualista que faz o sentimento voltar-se contra si mesmo, e as pessoas acabam se responsabilizando por ela estar desempregada. Mas a incapacidade de se organizar e reivindicar sua situação deplorável, deixamos para os santos, para os poderes divinos. Quem sabe algum dia eles ouvirão?
Portanto, continuamos sem hospitais decentes, educação de péssima qualidade, violência dos governos, corrupção, violência da máfia dos políticos, da religião “oficial” e do tráfico; É como diz ã Legião Urbana “Vamos celebrar a estupidez humana, a estupidez de todas as nações, o meu país com a sua de assassinos, covardes, estupradores e ladrões.” E como já dizia Gui Débord, vivemos a sociedade do espetáculo. A sociedade do entretenimento. Do show da Fé.