Concursado usa o próprio exemplo em relato impressionante sobre o desmonte da máquina pública
“Todos têm a ideia que o funcionário público é vagabundo e não quer trabalhar. Mas isso não é verdade. O funcionário público sempre quer trabalhar. Ele fez um concurso, ele tem uma formação específica e quer atuar. Mas o agente político não permite que aquele funcionário exerça as funções do seu concurso”, inicia André Castro, analista de sistemas superior do município de Búzios.
Admitido na prefeitura em 2016 por força de um mandado de segurança, já que nunca foi convocado pelo município após ser aprovado no Concurso Público de 2012, o servidor narra a história e experiência de trabalho dentro da secretaria de Administração e mostra a realidade vivida pelo servidor público de Búzios.
“Minha função é muito exata, fazer análise de sistemas. E o setor de tecnologia fica dentro da secretaria de Administração, onde estão os servidores centrais que controlam toda a rede de computadores da prefeitura. Quando eu entrei para trabalhar, o Kleber de Souza era o secretário de Administração, mas ele não me recebeu para me empossar. Eu simplesmente fui colocado numa sala porque iam ver o que fazer comigo. Os gestores não tentam entender o funcionamento das coisas e ninguém sabia o alcance da minha função, que é especializada, e pode ajudar muito a administração pública. Naquela época o setor de tecnologia era vazio, não tinha nenhum funcionário de carreira. Também não tinha mesa, cadeira, computador, nada. Eu trabalhava junto com o pessoal que consertava computador”, conta.
Antes de optar por fazer o concurso em Búzios, André morava no Rio e diz que a ideia de viver numa cidade pequena, famosa e com recursos, parecia perfeita.
“Mas o cenário que encontrei é completamente diferente daquele que imaginei. Não vi interesse nos gestores em fazer a administração pública funcionar. Muito pelo contrário. Na verdade, é interessante para eles que não funcione, porque eles sequestram o direito da população, e aí vale aquela máxima: aos amigos tudo pode!
Todos os projetos de tecnologia que desenvolvi na prefeitura reduzem custos. Nenhum deles aumenta custos. Todos reduzem. Mas para o gestor não é interessante que se reduza custos. Nas licitações são contratadas empresas parceiras que geralmente ajudaram na campanha política. O interesse político está sempre contra o interesse da verdadeira administração.
E não existe uma ferramenta para fazer com que os projetos desenvolvidos internamente ganhem visibilidade. Como eu comecei a gerar desconforto porque apresentava possíveis soluções e projetos, mas ninguém aproveitava, foram me colocando de lado. E esta é uma das formas de assédio moral que acontecem dentro da prefeitura. Te colocam sem trabalho e horário. Ninguém te cobra nada, não estão interessados na sua presença lá. Ninguém te diz isso diretamente, mas esquecem você”, pontua.
André conta que no primeiro ano de prefeitura, chegou a gastar cinco mil reais comprando softwares para exercer a função.
“Somente com um sistema de intranet que eu desenvolvi, gastei cerca de R$ 2.500,00. Uma empresa de fora chegou a se interessar e queria comprar o sistema para vender para outras prefeituras. Mas eu não quis vender. Nunca tive um gestor me solicitando serviço, nada. Por conta própria, eu comecei a fazer projetos que eu achava interessantes para a administração.
Criei uma implementação do e-Cidades para fazer testes. O e-Cidades é um software livre criado pelo Ministério do Planejamento para pequenas cidades usarem. Hoje a prefeitura gasta R$128 mil por mês com a empresa Sistema Modernização Pública, para fazer o que o e-Cidades faz de graça. Enquanto eu implementava isso, me diziam lá dentro: “Não mexe nisso cara, a empresa é de alguém aí de dentro”.
Criei um site, TIBúzios.com e peguei os meus projetos e coloquei neste site para que todos pudessem ter acesso. Gastava R$ 300,00 por mês para manter o site no ar com os projetos. Está tudo lá que eu desenvolvi e ninguém usa porque não quer. Eu apresentava aos gestores, eles gostavam e morria aí. Nada era implementado.
Gestores demonstraram não saber o que um analista de sistemas faz e quando cheguei queriam que eu montasse computadores e fizesse manutenção. Conversei com meu gerente de setor e expliquei pra ele que eu seria mais útil fazendo outras coisas. E dei como exemplo o fato de ninguém saber onde estão todos os computadores do município. Quantos são contratados, quantos são alugados, o que foi comprado? Quem são as pessoas que utilizam, e a demanda de utilização? Então o analista pode criar ou implementar um sistema que faça isso. Vamos fazer? Ele topou e eu fui construir um sistema de inventário para termos uma visão geral de quantos computadores são e onde estão. E também das peças de reposição, porque a sala de manutenção é uma bagunça.
Feito o sistema, a etapa seguinte é inserir os dados. Aí começou aquela história. Esse computador aqui não tem como inserir porque era de uma licitação que já acabou o prazo e a empresa não veio buscar o computador, esse outro também não dá… e o sistema de informática representa sempre o mundo real. Se o mundo real não é organizado, o sistema também nunca vai ser. Então essa ideia caiu por terra.
Hoje o sistema de informática da prefeitura é defasado, obsoleto, tudo lá é ultrapassado. Quando a pessoa vai ao hospital e lá está sem sistema, está fora do ar, isso acontece por problema interno da prefeitura. O executivo de Búzios não entende que tudo hoje é tecnologia”.
Licitações na área de informática
“Neste final de ano, começaram muitas contratações de informática, muita coisa de tecnologia. E nada disso passava pelo setor de TI. Quando veio a licitação de internet, me pediram para elaborar o Termo de Referência, mas mudaram tudo e o que foi contratado começou a dar problema. Aí mandaram para eu resolver. Mas eu não queria o projeto daquela forma que eles fizeram porque sabia que ia dar problema de fato. Expliquei que teria que fazer projeto para reestruturação da rede interna, e disseram: “Não isso não interessa. O problema é computador, vamos comprar computador, porque tá tudo lento. E eu não fui mais consultado.
Nesse período começaram a colocar gente na sala de tecnologia, onde fica o servidor central da prefeitura, que controla toda a rede de computadores e armazena os dados do município. Este aparelho é de um poder enorme. Tribunais de contas por exemplo, compram um container refrigerado, fechado com trava e código para se ter acesso aos dados. Informação vale mais que ouro. Mas na prefeitura o servidor está aberto, totalmente exposto. Os HDs podem ser puxados para fora e levados embora por qualquer um. Ali tem informação de contribuintes, terrenos, matrículas, dívida ativa, tudo do município está ali. E ficar aberto daquela maneira não pode. Ainda mais que começaram a colocar pessoas aleatórias lá dentro da sala. Fui falar com o secretário de Administração Rogério Carvalho. Expliquei que existe uma recomendação do Tribunal de Contas que o setor deve ser fechado.
A secretaria de Meio Ambiente, que tem prédio próprio, agora funciona dentro da sede da prefeitura, no Centro. Isso gerou um problema de espaço. Então queriam colocar gente no espaço de tecnologia, espaço de TI. Colocar qualquer pessoa, e a porta lá está até arrombada. Sumiram imagem das câmeras de circuito interno em uma troca de governo passada. Hoje o equipamento com a gravação das câmeras fica dentro de uma caixa de ferro com vidro por isso. E eu comecei a brigar muito. Toda a prefeitura depende do servidor, hospital, tudo. E eles ficavam de deboche: “Ah, quer a sala só para você?”
A sala onde eu estava era para ser ocupada por seis pessoas, três analistas de sistema e três programadores do concurso público de 2012, mas só eu entrei, não chamaram ninguém e a sala era vazia por isso, por desinteresse da prefeitura que não chamou os profissionais do concurso.
Então na tentativa de me tirarem da sala onde eu estava sozinho, começaram a colocar porcarias lá. Resto de tinta, material de obra, coisa fedorenta. Depois galões de água, o que é extremamente perigoso porque tem os equipamentos, os servidores, e se um galão daqueles vaza ou estoura na hora de transportar, pode gerar um curto circuito em tudo. Colocaram também pilhas de resmas de papel e cinco botijões de gás debaixo da minha mesa. E aí disseram que lá seria o almoxarifado. Mas isso é loucura, como assim almoxarifado na sala de TI? Botijão de gás? Tem instrução do Tribunal de Contas para o local ser isolado”.
Compras baseadas em escolhas aleatórias, sem embasamento técnico
“Recentemente, a secretaria de Administração estava fazendo a contratação de aluguel de 350 computadores, para todas as secretarias. Não seria minha função avaliar estes computadores, mas dentro da prefeitura, a pessoa de carreira que teria mais condições de analisar isso, seria um analista de sistemas. Porque não temos mais ninguém de carreira na tecnologia.
Mas a coisa toda é feita internamente. Internamente eles escolhem o computador que tem que ser, eles escolhem as empresas a serem contratadas, eles escolhem tudo e no final o setor de tecnologia que seria o responsável, nem é consultado. A decisão vem do agente político. O Termo de Referência da contratação já vem pronto.
Agora estamos prestes a ter uma mudança de gestão. Quando a próxima gestão entrar vai querer saber porque foram contratados estes computadores. Não tem como responder porque os agentes políticos que fizeram a contratação já terão saído.
Na troca contínua de prefeitos que tivemos no ano passado, isso ocorreu. Entra um e pergunta, quem fez isso aqui. Eu respondo, foi a antiga gestão. Mas você não é concursado, não estava aqui, você está envolvido né? Era isso que a gente ouvia.
Agora foram comprados novos servidores. Vi no Portal da Transparência que o valor é de um milhão e cento e poucos mil. Estes servidores são para se colocar sistemas dentro deles, o sistema da prefeitura como um todo e para isso o analista de sistemas deveria ser consultado. E não me consultaram. Só soube quando já estava comprado. Um dia antes de chegar o equipamento eu fui transferido de setor. Eu nunca vi estes servidores. Na minha análise técnica não precisaria de tanto, com 200 mil reais resolvia. Não entendi porque compraram um equipamento tão caro.
Na verdade, a prefeitura deveria ter um Plano diretor e deste sair o PD da Tecnologia da Informação, o PDTI. Não existe planejamento. Fazem qualquer coisa que inventam.
Pegando carona para alugar computadores
Existe um modelo de contratação que é o de “pegar carona”. Se um município qualquer fizer uma compra de computadores, você pode aderir a este registro de preços. Mesmo que seja um valor alto, você pode aderir se quiser e tem que comprar com a mesma empresa. Se for uma empresa aliada, e tiver conseguido fazer um registro de preços em qualquer outro município, você adere e compra com ela. Sem licitação, pegando carona. Quando eu saí eles estavam querendo “pegar carona” para computadores por preços bem acima dos que encontramos no mercado.
A Vivo já fornece computadores para a prefeitura e tinha interesse em continuar fornecendo e até aumentar a quantidade. Ela ofereceu um valor que é quase a metade do preço apresentado pela outra empresa do registro de preços. Mas contratar a Vivo implica em processo de licitação pelo menor preço. Aderindo ao registro de preços não precisa fazer nada, porque se pressupõe que a empresa já concorreu no outro município e ganhou a licitação lá. Está sendo feito nesse momento e dessa forma que expliquei, o aluguel de 350 computadores.
Ao invés de alugar computadores, a prefeitura deveria comprar. Em três ou quatro meses de aluguel, a R$ 350,00 por mês (preço cobrado pela empresa), já está pago o valor do equipamento. E a prefeitura pode comprar com garantia de 60 meses. Quando vencer os 60 meses você entrega esses computadores para as escolas, premia estudantes, e realiza nova compra. Isso seria interessante”.
Incomodando
“Indignado com tudo o que via acontecer lá dentro, comecei a fazer uma série de reuniões internas com pessoas interessadas em encontrar soluções para a prefeitura, mas na hora de levar estas soluções ao gestor, ninguém queria. Eu que tinha que levar. Aí comecei a incomodar bastante. Eu comecei a ser deselegante em certos momentos porque falava a verdade. Dizia que as coisas estavam sendo feitas de maneira burra dentro da prefeitura e que não era possível continuar assim. Aí bati nas vaidades. Ninguém mais queria conviver comigo. Até um amigo meu disse que não poderia mais andar comigo porque tinha comissão incorporada ao salário e não podia perder. As pessoas se afastam por medo de perseguição, porque são inúmeras as histórias.
Era pra eu ficar quietinho no meu canto sozinho, mas comecei a interagir demais, pesquisar muito em outros setores. E sugeria muito projeto, tipo criar um cartão para controle do abastecimento dos veículos da prefeitura, melhor gerência da utilização de luz e água, e por aí vai… E isso incomodou mais ainda o secretário de Administração. Aí sem nenhuma explicação apareceu uma falta no meu contracheque, por ordem do secretário, sendo que eu nunca faltei.
Para me candidatar, entrei com pedido de desincompatibilização por motivo de eleição, inclusive no momento estou de licença devido à eleição, me candidatando a vereador pelo PSL na chapa do Tom Viana. Após este pedido recebi falta e aumentou a perseguição e assédio moral. E eu senti ainda mais o peso: “Você não é do nosso grupo irmão”.
E aí o Rogério me transferiu para a secretaria de Educação, onde eu não tenho tarefa. E o setor administrativo ficou sem nenhum concursado para gerir a informação. Em breve teremos uma troca de governo e quem tem a informação vai embora, sai todo mundo. Nas trocas de prefeito não existe continuidade de informação. E não existe gestão de conhecimento dentro da prefeitura. Quer um exemplo simples, o Tribunal de Contas oferece para as prefeituras treinamento gratuito para procedimentos e tarefas de dentro da prefeitura, mas o RH não divulga e vão os comissionados que depois vão embora, e se perde a gestão do conhecimento”.
Prefeito odeia concursado
“O prefeito André Granado é concursado, nas eleições levantou esta bandeira e hoje odeia concursado. É conhecido por isso. Prometeu projeto de lei do plano de carreira e nada fez. Este ano não tivemos nossa reposição salarial em março. Isso é direito da categoria, mas não aconteceu. Os salários na prefeitura são baixos. As perdas foram grandes nos últimos anos. A média salarial de um agente administrativo, é de R$ 1.300,00. Tem funções em que é preciso complementar o valor para alcançar o salario mínimo.
Acho que Búzios perdeu demais todos esses anos por nunca termos tido um representante dos servidores públicos na Câmara de Vereadores. Todos nós perdemos, comunidade buziana inteira e não apenas os funcionários da prefeitura.
Se tudo funcionasse como tinha que funcionar, a população teria sempre seus direitos atendidos, sem precisar pedir favor a ninguém, como acontece hoje.
A defesa do servidor é a defesa da moralidade das instituições e da qualidade do serviço que é prestado ao cidadão. Porque se tem um funcionário de carreira a frente dos postos, não vai ter sacanagem, porque tudo entra na ficha do funcionário. Se ele tiver um incidente, um registro de penalidade, ele não sobe na carreira. Então ele vai querer ser um cara correto. E hoje ele tem que fazer as vontades do agente politico para ganhar um cargo em comissão, porque os salários são baixos demais. Dois mil concursados fazem até dois vereadores.
É importante destacar a defesa de serviço público e não de concursado, porque o contratado ganha menos para exercer a mesma função. E o cargo em comissão tem que servir não pra pagamento de cabo eleitoral do prefeito.
O Supremo Tribunal até decidiu que comissionado não é para exercer função técnica, que deve ser de concurso. Comissionado é chefia e liderança. Então toda a máquina está lá esperando função, mas a parte estratégica da prefeitura cai toda e não tem uma continuidade. Por isso alguns municípios mantém regras de que 20% de todas as vagas em comissão têm que ser de concursados. Para o concursado manter o trabalho funcionando”.
Democracia Direta
“Estudando democracia a gente vê que não vive uma democracia. A gente vive numa república de representatividade. A gente elege representante e ele fala por nós. Quando a gente vota, dá cem por cento de confiança e de decisão para o cara eleito. Mas na democracia é o povo quem decide.
Lá em Atenas onde surgiu a democracia de verdade, na câmara, que é a casa do povo, quem votava era o povo. Mas agora a gente dá todo o direito para um sujeito e a nossa opinião não vale mais.
Democracia Direta é um modelo mundial onde de fato as pessoas que você representa, votam. Os concursados podem ter uma senha e a vereança não é mais de um, é de todos. Toda a votação que tiver na Câmara, é disponibilizada para os concursados visualizarem e votarem com a senha. E o que a maioria decidir terá que ser obedecido. E todos os projetos de lei a serem propostos devem ser colocados antes para debate. Esse é um modelo que acredito que se for implantado será um bom passo para a melhora do serviço público em Búzios”.