O ano de 2020 é o ano que ninguém sairá ileso. Não gosto muito de generalizações, mas penso que a pandemia do covid-19, me dá a liberdade para tal, pois todos nos formos afetados de alguma forma, uns mais outros menos, pelas restrições e riscos do vírus que ronda por aí. O ano em curso também será lembrado pelas várias cenas explícitas de racismo, seja no Brasil ou nos Estados Unidos, que infelizmente culminaram na morte de mais corpos negros.
Infelizmente, a canção da Elza Soares se faz cada dia mais atual: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”. Uma vez que, a pele negra continua sendo alvo de descaso, violência e morte. Como acordar em um 20 de novembro, no qual deveríamos celebrar as nossas conquistas e os avanços sociais, se a notícia e as imagens estampadas na primeira página dos jornais e em todas as redes sociais é a de um homem negro sendo espancado até a morte por seguranças de um supermercado? Até quando notícias como essas serão veiculadas e naturalizadas com tanta regularidade?
Ser preto no Brasil é acordar e ir dormir todos os dias com medo de ser a próxima vítima. O racismo que estrutura nossa sociedade, adoece e mata a população negra a cada dia. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a violência e a desigualdade racial no Brasil se acentuou ao longo dos últimos anos. Os negros representam 74,4% das vítimas da violência letal, ou seja, pessoas negras têm 2,7 vezes mais chances de morrerem vítimas de homicídio.
Mesmo nós negros representando 56, 7% da população brasileira, somos os mais precarizados, violentados e temos menos oportunidades no mercado de trabalho. Seriamos nós inferiores? Não, não somos. Somos barrados, espancados, violentados e mortos por uma estrutura racista que impõe o paradigma da branquitude. Na qual todas as vezes que denunciamos ações e atitudes racistas somos acusados de sermos vitimistas.
Sempre que tentamos mover as estruturas, vem a branquitude falar que todas as vidas importam, que precisamos ter consciência humana e não negra. Esses discursos são discursos racistas que em nada contribuem para uma mudança de mentalidade. Pelo contrário, só ratificam o racismo estrutural existente na sociedade brasileira.
E esse racismo discursivo é o mesmo que leva um agente do estado envolvido na morte de Claudia da Silva Ferreira (que foi baleada e arrastada em uma viatura da polícia por mais de 350 metros em março de 2014 no Rio de Janeiro) a ser promovido. É o mesmo racismo que leva indivíduos a ameaçarem candidatas negras eleitas democraticamente nas eleições municipais Brasil afora em 2020. O mesmo racismo que mandou matar Mariele Franco.
Somos uma sociedade racista. Gostem vocês ou não. Precisamos parar com o cinismo e buscarmos forma de sermos antirracistas. Precisamos parar de naturalizar o fato de um jovem negro ser assassinado a cada 21 minutos. Além disso, em 2019 os negros foram 79,1% das vítimas de intervenções policiais com resultado morte. Dos policiais assassinados 65,1% foram negros e a população carcerária brasileira é composta majoritariamente por pessoas negras (66,7%). Além disso, a população negra foi a mais afetada pelo covid-19.
Como nos disse Angela Davis, “em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista.” É urgente fazemos o “dever de casa” para uma sociedade com uma justiça racial, pois a população negra no Brasil vive um genocídio diário, por isso não basta só postar palavras bonitas e hastags no 20 de novembro. “Dar espaço” e trabalho para pessoas negras apenas no mês de novembro não resolve nem ameniza o problema.
Enquanto os cursos de medicina forem majoritariamente brancos, a sua professora universitária não for uma mulher preta, haverá necessidade de cotas raciais, na política, na universidade e no concurso publico. À medida que o genocídio da população negra “seguir seu curso tranquilo” eu terei medo de ir ao supermercado e não voltar com vida para casa. Até quando vamos precisar ser resistência e pedir para pararem de nos matar?
*Renata Souza é Socióloga e Doutoranda em Sociologia Política
*Os dados apresentados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública