Por Paulo Roberto Araújo
Uma das características da colonização portuguesa na América foi a tentativa de reproduzir no Novo Mundo, a maneira como eles construíam as suas cidades. Em Portugal, as cidades não poderiam deixar de ter duas coisas: a primeira era um “Concelho”, ou seja, uma Câmara, onde os assuntos das cidades eram discutidos e decididos. A outra era a escolha de um padroeiro, protetor da cidade.
Visto com os olhos do século XXI, escolher um santo padroeiro pode parecer sem sentido, mas no século XVI, a coisa não era bem assim. As cidades na Europa eram ao mesmo tempo centros de comércio, mas também locais onde toda a vida administrativa era colocada em prática. Cidades eram no final das contas, espaços densamente povoados e era essa característica que as transformava em lugares passíveis da proteção de um santo.
Havia dois grandes perigos a serem enfrentados por uma cidade: a peste e a guerra, muitas vezes uma vinha acompanhada da outra. O santo padroeiro de uma cidade era invocado como entidade protetora para estas duas calamidades.
Lisboa transformou São Sebastião em santo protetor, depois de sucessivos episódios de Peste, que dizimaram parte da população. Por mais de 300 anos, a Peste foi um fantasma que assombrou a vida cotidiana do europeu. Depois da grande mortandade ocorrida no século XIV, a peste visitava frequentemente as cidades do Mediterrâneo, passando também por Portugal e Espanha.
Ora, no Brasil as ondas de peste não estavam entre as preocupações dos colonizadores, mas outros perigos existiam que justificavam os serviços de um santo protetor. Um deles era a constante ameaça dos índios aos pequenos povoados criados pelos portugueses. Uma cidade como Cabo Frio, criada no início do século XVII, tinha motivos de sobra para invocar também os serviços de um santo protetor.
Por mais de 100 anos, os portugueses tentaram consolidar as suas posses neste canto do Brasil, tentando neutralizar a presença dos franceses por aqui. Ao mesmo tempo, o português teve de aprender a fazer alianças com os nativos locais, que vez ou outra atacavam os povoados existentes. Some-se a isso, o isolamento de colonizadores separados por um oceano de distância de sua terra natal fazia com que a invocação de entidades como os santos protetores fosse encorajada.
Por isso, quando Cabo Frio passou a ter como padroeira de sua cidade a figura de Nossa Senhora da Assunção, estava seguindo uma longa tradição criada pelos portugueses na Europa e que no Brasil foi adotada de acordo com as peculiaridades do contexto. Cabo Frio, assim como milhares de cidades do Brasil possuem um santo padroeiro porquê esta é uma das marcas mais perenes da colonização portuguesa no Brasil.
A criação de uma cidade era um ato de “conquista”, o que na época significava a consolidação de um projeto colonizador que levava o cristianismo a todos os lugares que o império português pudesse chegar. A escolha do santo padroeiro pelos membros da Câmara era o sinal de que o projeto de colonização da América era um negócio compartilhado entre quem governava em Lisboa e quem ficava aqui, na América.
Permitir que as cidades escolhessem os seus santos padroeiros revelava assim uma das facetas mais interessantes da colonização lusa no Brasil. A relativa liberdade das cidades coloniais em criar as suas leis, recolher os seus impostos e legislar sobre os assuntos de seu interesse. É por isso que as duas principais marcas do “governo” em uma cidade colonial brasileira eram, por um lado, o pelourinho, o símbolo de que a autoridade do Rei de Portugal estava presente e a igreja matriz, símbolo de que o santo padroeiro representava não apenas a autoridade da Igreja, mas dos cidadãos da comunidade.
É por isso que nunca devemos olhar para os símbolos de uma cidade de uma maneira banal. Nada em uma cidade está ali por acaso. O santo padroeiro sabe bem disso.
Paulo Roberto Araújo é professor de História e Suburbano Convicto