Na última semana, três nomes foram considerados “hits” nas redes sociais: Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Whatsapp. Essa coluna será sobre o último nome, ou seja, sobre o que significa a presença de um aplicativo como este na vida da gente, e como ele está mudando o jogo tradicional da política no Brasil.
O nome do aplicativo “Whatsapp”, é uma brincadeira com um bordão muito utilizado no cotidiano do americano comum: “Whats up”, significa mais ou menos, “o que está acontecendo?”, “Qual é o Babado?”, “O que é que tá pegando?”, ou seja, trata-se de uma alusão à tentativa de saber, em primeira mão, quais são as últimas novidades em relação a um determinado assunto. A cultura popular americana tornou mundialmente conhecida essa expressão com o “Pernalonga”, personagem de desenhos animados da Warner Brothers, que sempre usava esta expressão quando entrava em cena.
O Whatsapp atualiza a secular tradição brasileira de resolver tudo pela Conversação
O Whatsapp é uma extensão eletrônica da conversação pessoal, ou pelo menos, uma tentativa de trazer para o mundo virtual, a intimidade de conversas que mantemos com as nossas pessoas mais próximas. Esta configuração é um atrativo e tanto para milhões de brasileiros, porque é uma tecnologia que além de ser extremamente fácil de ser utilizada, não conflita com elementos básicos da cultura e da sociabilidade brasileira. Na verdade, o aplicativo amplifica estas características.
O antropólogo como Roberto da Matta, escreveu certa vez, que a “conversação” é um dos grandes legados da cultura brasileira, pois é em torno desta arte de “conversar”, que complexas negociações são feitas, tanto na comunicação imediata e privada, quanto na esfera pública. Sabemos que o assunto é “sério e complicado”, quando alguém nos chama para “conversar”. A conversação é uma arte de mediação de conflitos, algo que pode ser identificado à mistura de influências culturais de portugueses, africanos e indígenas. Isso existe em nossa cultura há séculos. O Whatsapp, de certa maneira, coloca uma moldura tecnológica a esta antiga arte.
É uma tecnologia que o brasileiro não apenas descobriu ser “amigável’, no sentido da facilidade de seu uso, mas “conversável”, ou seja, no sentido de que o aplicativo não é um impedimento à continuidade de fazer no mundo virtual, aquilo que o cidadão comum já estava acostumado a fazer. Arriscando aqui fazer uma analogia com o pensamento de Marshall McLuhan, diria que no caso brasileiro, o aplicativo Whatsapp faz uma extensão de nossas habilidades culturais, de contornar assuntos complexos a partir do exercício da conversação.
Da Conversação à Sedição- o Whatsapp como um Fuzil Eletrônico
Não custa lembrar que há alguns meses atrás, a Greve dos Caminhoneiros, que literalmente parou o país, foi organizada inteiramente por meio de grupos de Whatsapp. Naquela greve, quando depois de atender a todas as exigências dos caminhoneiros, o governo Temer percebeu que nem assim o abastecimento se normalizou, os próprios negociadores do governo perguntaram o quê, afinal, queriam aqueles grevistas. Foi quando eles se deram conta de que havia um grande número de manifestantes que postaram nos grupos de Whatsapp, o desejo de uma “volta ao Regime Militar”.
Naquele momento, Michel Temer percebeu, muito claramente o que realmente estava acontecendo no país. “A Volta ao Regime Militar” não era, necessariamente uma “bandeira” dos manifestantes, dos caminhoneiros, era sim um tipo de “slogan”, uma frase de efeito que no fundo expressava o desejo de muitos brasileiros de uma certa “ordem” fosse restabelecida. sim, mas que ‘ordem” seria essa? Sou de opinião que ela significava o desejo de muitos caminhoneiros e de certa maneira também de brasileiros, de que não apenas o crescimento econômico deveria ser retomado, mas que outras coisas deveriam ser consideradas também, como valores tradicionais relacionados à família e aos costumes.
Na Greve dos Caminhoneiros, análises mais apressadas interpretaram aquela “conversação” feita pelos grevistas por meio de redes de Whatsapp, como um sinal de uma possível simpatia popular pela volta do Regime Militar. Salvo engano, não vejo desta maneira. A Greve dos Caminhoneiros foi o primeiro sinal de que a manifestação política popular poderia ser realizada a partir de uma estrutura muito diferente da tradicional organização partidária.
Ao contrário de uma estrutura burocrática e vertical, onde a “militância” estaria supostamente subordinada à uma cadeia de comando vinda de cima para baixo, a Greve dos Caminhoneiros foi organizada totalmente em uma configuração horizontal, ou seja, praticamente não era possível identificar quem eram os “líderes” do movimento, e isso dificultou enormemente os esforços do Governo de devolver a normalidade, com o fim da greve.
O Whatsapp foi o protagonista deste movimento, pois ele é um tipo de tecnologia que oportuniza a conversação que pode descambar muito facilmente para a “sedição”, aquele tipo de conversa que fez com que os Inconfidentes se organizassem para lutar contra a Coroa Portuguesa, no fim do século XVIII. Não foi coincidência portanto, que em tantos grupos de Whatsapp, a imagem do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes circulou em inúmeras “correntes” de bate papo.
Foi este tipo de organização que a estratégia de campanha de Jair Bolsonaro compreendeu com muita clareza, e isso explica ao menos em parte, as razões de sua escalada.
No entanto, é importante, na verdade é vital entender que apenas a tecnologia por si só, não tem o poder de provocar alterações sociais profundas. É a sinergia entre as tecnologias e as condições sociais que oportunizam estas mudanças.
Mais sobre isso nos próximos capítulos.