Não quero ter de me acostumar com notícias sobre mulheres que são vítimas fatais ou quase fatais da violência. A palavra feminicídio ainda é considerada nova nas rodas de conversa e deixa muita gente sem entender a necessidade de seu emprego, já que se trata de tirar a vida de um ser humano. Porém, infelizmente, o uso dessa palavra tem sido crescente, o que nos coloca diante da necessidade de refletir sobre os números absurdos de casos de homicídios contra as mulheres que são noticiados quase diariamente na mídia.
A violência no Brasil, não é novidade para ninguém, historicamente, sempre se manteve em níveis altíssimos, haja vista a enorme desigualdade social, o racismo, a violência estatal que faz tantas vítimas quanto as baixas em países em guerra e vários outros fatores. Mas o que quero chamar a atenção é para os crescentes números de homicídios dolosos contra mulheres. Óbvio que crime nenhum, seja contra homem ou mulher deveriam acontecer.
Convido-os a examinar a “epidemia” de homicídios contra mulheres, ou seja, de feminicídios. Irão me dizer que tudo é homicídio. Concordo, mas dado as circunstâncias, a quantidade e frequência que o crime era cometido, houve a necessidade de uma tipificação que tornasse o crime mais grave (tirar a vida de alguém é indiscutivelmente grave, independente da cor, gênero, classe social ou do que ela tenha feito) e consequentemente a pena mais dura.
Em 2015 foi sancionada a lei nº 13.104/15 que tipifica o homicídio contra mulher como feminicídio. É o homicídio doloso, quando o agressor tem a intenção de matar, praticado “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”. O crime envolve “violência doméstica e familiar” e ainda o “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
E 2019 nem bem começou e já foi registrado uma média de 50 casos de violência contra mulher envolvendo agressões e feminicídios. O que é muito grave. O mais apavorante nesses casos é que a maioria dos algozes mantinham algum tipo de relacionamento afetivo com as vítimas. O último e mais chocante dos casos foi o da empresária espancada por mais de quatro horas por um candidato a namorado com quem ela já se relacionava virtualmente há cerca de 8 meses.
Dirão os mais “conservadores”, como sempre, que a culpa é da vítima, afinal ela levou um desconhecido para casa. Mas o que dizer da aposentada de 66 anos que foi morta a tiros pelo seu ex-marido, com quem foi casada por 40 anos, na mesma semana? Não sejamos hipócritas de colocar a culpa da violência contra a mulher na mulher. Precisamos parar de culpar as vítimas. Pois nada que uma mulher faça, NADA, justifica a agressão e muito menos a morte.
Os homens precisam entender que mulher não é um objeto inanimado para se fazer o que quiser, mulher não gosta de ser tratada de forma deselegante e agressiva. Os homens precisam entender de uma vez por todas que casamentos ou namoros não são eternos, ou seja, as mulheres têm direito de decidir se querem ou não permanecer ao lado deles. Desta forma, compreender que mulher não é uma propriedade.
Mulheres estão sendo mortas pelo simples fato de não quererem mais manter um relacionamento, pois caso não saibam, o amor também acaba, e em alguns casos essa decisão é motivada por um histórico de agressões e violências. Evidencia a falta de preparo emocional de alguns homens para lidar com o sentimento de perda. Precisamos acordar para isso. Nós mães e pais precisamos educar nossos meninos para lidar com a frustração e a rejeição. Ensiná-los, principalmente, a respeitar as mulheres. Ensinar que as relações de gênero devem ser simétricas e parar de naturalizar o machismo.
Precisamos urgentemente quebrar essa lógica do homem achar que é dono de uma mulher ou achar que não pode ser rejeitado. Precisamos parar de naturalizar comportamentos agressivos. Não é normal um homem gritar, xingar, bater ou ter qualquer tipo de atitude agressiva com uma mulher, seja verbal ou física.
Seja ela dirigida a esposa, a ex-esposa, a desconhecida na rua, a namorada, a filha ou a mãe, desculpas não reconstroem os laços partidos, pois uma relação afetiva se baseia principalmente no respeito.
Desnaturalizar a violência é uma urgência em nossa sociedade, principalmente a violência contra a mulher. Porque eu não quero ter de acreditar, como disse a Shirley Rocha, nas redes sociais, que “o lugar mais perigoso pra uma mulher é dentro do amor”.
*Renata Souza é bacharel em Sociologia e Mestra em Sociologia Política