Por Renata Souza
O fim de ano é sempre um momento de reflexão. Pensar no novo ano que já está “batendo” em nossa porta, é pensar com apreensão sobre o futuro do nosso país, pensar com preocupação as novas configurações políticas que vem se delineando e sendo propaladas nos meios de comunicação. É inevitável não pensar 2019 com preocupação.
Pois mesmo em tempos de fake News ouvimos em alto e bom som, sem edição ou cortes, discursos de ódio contra minorias. Candidatos a cargos eletivos não fazendo questão de esconder seu machismo, racismo e horror aos homossexuais.
Como se isso já não fosse retrocesso suficiente, tivemos a baixa daquela que dava voz aos excluídos e excluídas. A mulher negra que conseguiu romper os estereótipos da mulher preta como corpo de serviço. Que não estava aonde estava porque tinha a “bunda bonita” ou os “fenótipos tão delicados que nem parecia negra”. E que pelo andar das investigações, o assassinato vai engrossar as estatísticas dos crimes contra pessoas negras que não são solucionados.
O que me faz lembrar de uma canção da Elza Soares que em várias letras denuncia o descaso de nossa sociedade com as mulheres e os negros, contraditoriamente em um país de maioria de negros e mulheres, que diz: “A Carne mais barata do mercado é a carne negra”
Mas em meio as nuvens cinzas do fascismo que pairaram e pairam sobre nossas cabeças em 2018, também tivemos dias de sol! Notícias e vitórias que nos trazem um fio de esperança. Como foi a vitória de várias mulheres nas eleições. Mulheres que terão grandes batalhas em seu dia a dia em seus cargos eletivos. Uma vitória que merece ser comemorada, um avanço para o feminismo.
Uma vitória na batalha pela igualdade de gênero, longe obviamente de ser o ideal, mas um avanço. Conseguimos entre veteranas, estreantes, ativistas, indígena e trans um total de 245 mulheres eleitas. Sendo 7 representantes no senado, 77 deputadas federais e 161 deputadas estaduais. Números recordes no Brasil, país de tradição patriarcal que atribuía a política ao mundo masculino.
Também foi a eleição com maior número de mulheres negras eleitas! Uma dupla vitória, como mulher negra me sinto muito contemplada, pois a representatividade é essencial para a quebra de paradigmas. Ver mulheres negras em lugares de poder é essencial para a construção da nossa identidade, pois durante toda minha infância as mulheres que eram “permitido” alguma forma de visibilidade, eram majoritariamente brancas e loiras.
Cresci “sem saber” se mulher negra podia ser outra coisa além de globeleza, tendo seu corpo festejado no carnaval. Cresci sem ver mulheres negras fazendo sucesso com sua música, (Elza Soares é talentosa desde sempre, mas só lhe deram “voz” agora, por que será?) Sem ver mulheres negras fazendo papel da patroa rica, da advogada ou da protagonista bem-sucedida e disputada da novela das oito.
Precisamos de homens e mulheres negras em todos os espaços, porque nossa sociedade racista ainda não entendeu que a escravidão foi abolida. Não se acostumou ou adaptou a ideia de que nós negros podemos ser intelectuais, mestres, doutores, empresários ou políticos. A população negra está sempre a suspeita, a impossibilidade e a invisibilidade. Isso é infelizmente tão latente em nosso dia a dia, que basta abrir os jornais para vermos casos explícitos de racismo sendo noticiados.
Como o caso da advogada negra que foi algemada e presa em um Fórum no Rio de Janeiro. E também de um advogado negro que teve sua entrada proibida em um outro Fórum, porque os policiais e funcionários do fórum não acreditaram que o preto que vos falava era de fato advogado, duvidando até da identificação da OAB que o mesmo portava.
Existem também os casos que não viram notícia do racismo nosso de cada dia, onde a população negra é humilhada e maltratada diariamente. Onde sempre somos confundidas com a moça da limpeza, com a babá. Nada contra essas profissões que são necessárias e dignas. Mas será que preto só pode ser isso?
Histórias como essa tem que parar de serem produzidas. Avisem a todos que seremos advogados, advogadas, políticos e políticas, médicos, médicas, doutores e doutoras, ou seja, seremos o que quisermos ser!