Quase oito minutos sem repetir palavras, nenhuma parte da letra e nem o raciocínio. Com essa explicação sobre a música “Soldado do Mundo”, esmiuçada na noite de quarta-feira (8) por MV Bill no Festival de Literatura e Cultura de Macaé (Flicmac), o artista e escritor incentivou os jovens à leitura. O evento acontece no Parque de Exposições até sábado (11). A programação completa do festival pode ser conferida clicando aqui.
“A música rap tem algo interessante porque exige que a pessoa seja uma conhecedora de palavras porque são muitas por minuto. Eu tinha parado na quinta série, meu vocabulário era muito restrito, então fui ler três livros ao descobrir a cultura hip hop”, contou o rapper, citando três obras: “O Negro Revoltado”, de Abdias do Nascimento; outra sobre zumbi dos palmares e outra sobre o líder afro-americano Malcolm X, que teve o pai assassinado pela Klu Klux Klan.
MV Bill expôs sua história de envolvimento com a arte e a literatura após relatar a infância e adolescência que teve: “Via o cadeirão, corpos no chão, naquela época a gente tinha um exemplo muito claro: ia pra escola, o corpo estava lá, ia jogar futebol, voltava, o corpo estava lá. Aí pensei: não é esse o tipo de vida que quero ter. Foi quando conheci a cultura hip hop, que me mostrou que eu poderia ser uma exceção dentro de uma regra que não me favorecia. Aí fui buscar primeiro o conhecimento. Às vezes a pessoa acha que a música rap é fácil de fazer porque não tem instrumento, é menos nobre. Mas a gente pega um assunto e desdobra tudo”, disse, detalhando em seguida o uso do vocabulário necessário para o ritmo musical.
O artista explicou que começou a carreira dentro da Cidade de Deus. “Tive uma infância que eu chamo de padronizada para quem nasce preto e dentro de favela. Padronizada porque você estuda até um certo momento e depois tem que começar a conciliar estudo e trabalho. Na periferia, nas favelas é assim. E em determinado momento você tem que fazer uma opção, a gente abandona as escolas muito cedo e vai pro trabalho”, expressou.
Em seguida, MV Bill contou que com pouca esperança e perspectiva de vida, em um primeiro momento, viu a criminalidade de perto. “E das coisas que a gente enxergava com mais poder naquele momento”, pontuou.
Após entrar na cultura hip hop, MV Bill destacou que começou a pregar aquilo que mudou sua vida: “Você precisa conhecer o rap, a verdade do hip hop”, dizia aos jovens.
“Essa libertação que ganhei me fez criar a Central Única das Favelas (Cufa) com dois amigos. Implantamos muitos projetos sociais. A mudança que aconteceu comigo eu levei pra outras pessoas e a gente conseguiu que mais jovens pudessem sonhar”, frisou.
O aumento de projetos sociais na comunidade foi constatado pelo rapper. “O que aconteceu foi que a própria comunidade viu que algumas atitudes são a partir de nós mesmos. Algumas empresas entenderam que é importante investir nos projetos que ajudam a moldar e reescrever histórias”, enalteceu.
MV Bill assinalou que na Cidade de Deus, há muitos projetos sociais, o que diminui o caminho para o tráfico. “A gente vê claramente a diferença de um local que tem projeto social e outro que não tem”, indicou, citando “Os arteiros” da CDD.