por Matheus Thomaz
Três anos depois do rompimento da barragem da Vale em Mariana, outro crime ambiental tomou a manchete dos jornais. Em Brumadinho uma nova barragem de rejeitos se rompeu, devastando uma cidade inteira. Até o momento, os números oficiais mais de uma centena de mortos e um pouco mais de duzentos desaparecidos. A segunda tragédia patrocinada pela Vale é muito maior do que a que se deu em Mariana.
Em uma matéria sobre economia publicada no portal UOL, em primeiro de fevereiro de 2019, aponta que a Vale perdeu mais de 70 bilhões de reais em valor de mercado na primeira sessão da bolsa de valores após o crime em Brumadinho. No entanto o foco da matéria é a capacidade que a empresa tem de se recuperar. Segue a matéria dizendo: “Em pouco mais de três anos, entre a tragédia de Mariana, em novembro de 2015, e antes de Brumadinho, o valor de mercado da empresa mais que triplicou: passou de R$ 81,25 bilhões para R$ 289,77 bilhões.”. O grande capital nadou em braçadas largas ao mesmo tempo em que nenhuma indenização foi paga e sequer alguém foi punido. A mesma matéria aponta que o grande responsável pela guinada na valorização da Vale foi Fábio Schvartsman, que ainda é o presidente e diz não saber o que aprenderam com o acontecido em Mariana.
Quem aprendeu bem com o crime ambiental foram as agências financeiras, de acordo com a mesma matéria, os analistas do BTG Pactual, do Itau BBA e da XP investimentos enviaram aos seus clientes um relatório recomendando a compra de ações da mesma empresa. Todos confiando em uma nova supervalorização dos papeis da Vale a médio prazo. Acredito que as vítimas do crime não estejam assim otimistas quanto o mercado. Esse é um retrato da relação de desigualdade que prevalece na sociedade e o resultado do sentido do desenvolvimento do modo capitalista de produção.
Há a necessidade de se pensar alternativas para esse tipo de desenvolvimento, cujo sentido é a acumulação de capital, sem se importar com as pessoas. O Importante é lucrar. E o melhor exercício para se pensar alternativas é olhar para o mais próximo de nós, aquilo que vai interferir em nosso cotidiano. É válido analisar o movimento geral do grande capital, mas essas análises só fazem sentido se pudermos verificar suas expressões em nossos contextos locais.
Assim, no contexto de Macaé, há um processo social para instalação de um segundo porto na cidade. Dado como a salvação para o desenvolvimento local, o porto significa mais do mesmo. Mais uma dose do veneno que está sufocando a sociedade, porém, que é vendido como remédio para os problemas. O que tem causado crimes ambientais como os citados é o modelo de desenvolvimento adotado, centrado na acumulação de capital.
No caso de Brumadinho, os únicos que contestaram e argumentaram em relação aos riscos da barragens foram os ambientalistas. Na ata da reunião o único voto contrário foi do o representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (FONASC-CBH). Voz completamente ignorada e atropelada pelos interesses do grande capital. A Vale conta com uma bancada de deputados que atuam centralmente para defender os interesses da empresa, o lobby da mineração tem suas representações tanto na Assembleia Estadual quanto na Câmara Federal, são representantes muito bem pagos com um grandes sacos de moedas “doados” para as suas campanhas.
No caso local, há um poderoso lobby pelo porto. Que intimida quem levanta críticas. Há uma bancada inteira de vereadores dentro do lobby, assim como deputados estaduais e também federais. Uma enorme mobilização para garantir bons retornos para o grande capital. Essa aposta já começa a beneficiar aqueles que especulam com a terra e imóveis, toda movimentação por grandes empreendimentos tem, em paralelo, grandes especuladores do capital, podem ser do mercado financeiro, do mercado imobiliário ou dos dois setores em conjunto, seguindo a tendência monopólica do capital em suas fusões.
O grande capital, desde sua gênese, trata a natureza ora como fonte inesgotável de recurso, ora como custos externos em seu processo produtivo. O capital cristalizou uma separação entre humanidade e natureza em tal grau que a mãe terra nunca é privilegiada nas decisões de negócios. Pelo contrário, para o grande capital alguns sacos de moedas podem pagar por quaisquer danos.
Nesse sentido o projeto do porto se apresenta como uma grande ameaça ao meio ambiente, principalmente por conta do projeto não se tratar apenas de um porto, mas de um pólo petroquímico flutuante que vai ter transferência de óleo direto do navio para a plataforma portuária. Essa operação oferece grandes risco de poluir o mar e, como o SOS Pecado sinalizou, no EIA-RIMA apresentado aparecem essas questões. Além de que esse tipo de operação marítima já se tentou no início dos anos 1980 e foi barrada por uma mobilização popular que ficou conhecida em Macaé como “Xo Monobóia”.
Existem ainda outros riscos que aparecem no EIA-RIMA que são bastante problemáticos. Assim está escrito no material distribuído no dia da audiência pública: Os impactos negativos de alta relevância durante a fase de obras, cuja previsão de duração é de 8 anos: “Alteração da qualidade da água marinha, o aumento da possibilidade de inundações, diminuição do movimento do comércio local, que deverá ocorrer com o fim da fase de construção e dispensa da mão de obra”; já os impactos negativos de alta relevância durante a fase de operação: “afugentamento de cetáceos e quelônios”.
No momento que Macaé se arvora em ser uma referência no turismo de lazer, aproveitando sua paisagem natural para uso sustentável. No entanto, persiste essa contradição em apostar todas as fichas no desenvolvimento pela acumulação capitalista via indústria do petróleo. Há ainda os que tentam fazer um disfarce dizendo que aqui será um desenvolvimento sustentável. Aliás, desenvolvimento sustentável é um nome novo para o grande capital continuar fazendo a mesma coisa.
Nós temos que nos dar a oportunidade de imaginar novos mundos, nos dar a possibilidade de construir esse novo mundo e assim ter o prazer de viver essa nova experiência. Construir o Bem Viver! Olhar para nossas experiências latinas, nossos vizinhos não consideram mais a mãe terra como fonte de recursos, externalidades ou custos extras na produção. Reconheceram os direitos da natureza e apontaram caminhos alternativos ao desenvolvimento, caminhos para o Bem Viver.
Alberto Acosta em seu livro O Bem Viver afirma o seguinte: “ É necessário construir relações de produção, de intercâmbio e de cooperação que propiciem suficiência – mais que apenas eficiência – sustentada na solidariedade. […] o centro das atenções não deve ser apenas o ser humano, mas o ser humano vivendo em comunidade e em harmonia com a natureza. […] O Bem Viver questiona o conceito eurocêntrico de bem-estar. É uma proposta de luta que enfrenta a colonialidade do poder.”
Assim está sob nossa responsabilidade enfrentar os podres poderes estabelecidos para construir um novo futuro. O crime de Brumadinho é mais uma consequência dessa ideia de desenvolvimento como crescimento sem fim, acumulação sem limite e muita especulação financeira. Quando olhamos para nosso local observamos as possibilidades, até aqui chegamos pela indústria do petróleo que operou uma grande transformação na outrora Princesinha do Atlântico, salto que em suas contradições também trouxe melhorias para o Macaé. Entretanto, a Capital do Nacional do Petróleo já demonstra sinais de seu esgotamento, o novo ciclo que o TEPOR apresenta tende muito mais a agravar os problemas que já existem por aqui enquanto faz o grande capital girar e sorrir em altíssima velocidade na especulação imobiliária e nos negócios. Por isso é tempo de imaginar aqui como a Cidade do Bem Viver!