Marcelo Lartigue era um artista. A primeira vez que ouvi isso foi do curador e artista plástico Amando Mattos em 2013. Sim, ele era mais que um jornalista ou um editor de jornal. Marcelo realmente queria, mesmo que dissesse que não, deixar sua marca, sua visão estranha de ver o mundo. Talvez sua visão correta de ver os diferentes mundos que, ao menos em Búzios, existem dentro do cotidiano.
Ainda pretendo escrever mais coisas sobre Lartigue nessa semana dedicada a ele aqui no Prensa, mas sempre quis dar um destaque a uma faceta pouco conhecida do Marcelo, seu amor pelo cinema.
No youtube está disponível um curta metragem feito por ele, e que reproduzo aqui, o Praia de Babel. É uma extensão de um livro editado por ele, Aníbal Fernando, e Isac Tillenger, na década de 80. No entanto, a versão cinematográfica é muito mais original e interessante, ao meu ver. Neste doc Marcelo investiga, ao menos tenta, através de uma das coisas que fazia melhor como jornalista, entrevista, que magia é essa que atraiu pessoas de diferentes países para uma aldeia perdida no interior do Brasil. Pessoas incríveis contam suas histórias de vida e do amor que sentem por Búzios.
Mas é claro a obra de um espirito zombeteiro como o de Lartigue, que gerou o Perú Molhado, não faria um documentário que seguisse as regras, ele precisava transgredir. Há um detalhe que ele me mostrou: na maioria das cenas há uma pessoa passando atrás, enquanto o entrevistado dá seu depoimento. “Eu combinava sempre com alguém pra que passasse por trás da cena. Mas tinha gente tão pastel que nem isso consegue fazer direito”, ele me disse.
Mas há uma zombaria ainda maior que essa nesse doc, há um estrangeiro que Marcelo conseguiu convencer a dizer que era de um outro país que não o seu de origem só poque Marcelo achou que ia ficar mais legal. Ele não precisou me contar isso, assistindo o filme junto com ele uma vez na redação foi evidente pra mim ( tenho certeza que pra quem é de Búzios também será). É a parte mais Búzios, a Búzios que Marcelo inventou e que nos faz suspirar. Não a Búzios real, cheia de políticos medianos, religiosos chatos, e empresários muquiranas. Marcelo se divertiu muito em me contar toda a história. Ria alto! Ligou pro conhecido de todos nós buzianos, que aceitou encenar em um documentário (que pelas regras deveria ser fiel a realidade a que se propunha), do outro lado da linha também se ouvia risadas. Cúmplices sem culpa de uma farsa deliciosa.
Mas toda a sequência anterior e posterior, a esse momento de ficção introduzido por Lartigue, é de puro rigor e seriedade. Ao final, com depoimento da pescadora Deise, Marcelo embrulha esse presente pra cidade com uma fita dourada. Mostra o quanto entendia Búzios e sabia o que estava fazendo em todo momento que pensava a cidade de seu jeito anárquico.
Se o texto de abertura, que não sei de quem é, é cheio de criatividade, os créditos no final também são impagáveis, com direito a palmas e tudo. Pra mim do começo ao final esse curta é genial.
Sim, o nome do jornal ( Prensa de Babel) faz referência ao termo Praia de Babel criado por Marcelo.
Texto produzido para a Semana Marcelo Lartigue.