Para entender uma das pautas mais relevantes em Búzios por esse dias basta olhar para o chão. Afinal, o pavimento de paralelepípedos que historicamente compõe o cenário urbanístico da região central da cidade pode estar com os dias contados, dentro do projeto de revitalização proposto pela Prefeitura.
A mudança do tradicional piso para o modelo de blocos intertravados está prevista no projeto de revitalização do Centro, cujo edital de concorrência pública n° 004/2023 a reportagem da Prensa teve acesso. A concorrência para a contratação da empresa de engenharia para a realização da obra, dentro da modalidade menor preço global, está marcada para o dia 19 de abril. O valor inicial estimado do serviço é de R$ 7.938.283,32 (sete milhões, novecentos e trinta e oito mil, duzentos e oitenta e três reais e trinta e dois centavos).
Enquanto a licitação não acontece, o prefeito Alexandre Martins dá ares plebiscitários ao assunto. Em suas redes sociais, o alcaide buziano propôs uma enquete em que pergunta aos seguidores qual o tipo de pavimento desejam para as ruas do Centro. A sondagem, que não tem rigor científico, tampouco é garantia de que terá o resultado considerado pelo governo municipal, revelou nas respostas defensores de ambos os tipos de piso.
Seja como for, uma unanimidade entre os especialistas da área de Arquitetura e Urbanismo ouvidos pela Prensa é de que a categoria deveria ser ouvida sobre o assunto.
“Entendo que a discussão com a população sobre as decisões da cidade sempre são importantes, parabenizo a Prefeitura por isso, porém essas conversas precisam ser mais aprofundadas. Da maneira que está colocada a enquete parece ser somente uma escolha de gosto, e não é. Existem vários fatores técnicos envolvidos que não estão sendo colocados para o conhecimento da população, como permeabilidade de cada um, custos envolvidos, tendo em vista que o paralelepípedo já existe e o bloco de concreto precisaria ser comprado”, argumenta o arquiteto Pedro Campolina, favorável à reforma dos atuais paralelepípedos.
Entidade que já foi presidida por Campolina, o núcleo local do Instituto dos Arquitetos do Brasil também defende o debate prévio sobre o projeto. O IAB Búzios entende como “preocupante” que a participação comunitária na discussão se restrinja às redes sociais.
Em nota conjunta assinada pelas arquitetas Katia Pirá, Helena Oestreich, Daniela Mazieri e Miriam Danowski, a entidade afirma que a decisão é mais complexa do que apenas escolher o tipo de piso a ser usado, pois pode “comprometer ambiência que Búzios tem e que lhe rende ainda uma visitação diferenciada”.
“Por exemplo, se já existe uma discussão para enterrar o cabeamento, por que isso não está sendo previsto nesse projeto? Vão retirar os postes? Poderiam ao menos prever a infraestrutura. Da mesma forma, não é incorporado o projeto paisagístico, não se sabe nada do mobiliário urbano. Num corte esquemático, ficamos sabendo que vão nivelar a calçada com a rua. Nesse caso, como fica a drenagem? Esse nivelamento até poderia ser uma alternativa, mas se houver critério, se for pensado como um projeto urbanístico e detalhado para tal”, questiona o Instituto, que prossegue.
“Foi igualmente avaliada a mobilidade urbana, a acessibilidade para deficientes, idosos, crianças. Como vai ser tratada a iluminação pública? Onde vão colocar os carros? Vai haver um estacionamento público no entorno? Quais vão ser os acessos? Vamos ter que quebrar tudo no futuro para enterrar os cabos? Tudo isso teria que ser discutido e decidido antes de contratar o projeto, antes da licitação”, avalia, por fim, o IAB.
Na mesma linha, o arquiteto Alexandre Alvariz defende que a parte subterrânea da região receba a devida atenção durante as obras de revitalização.
“Antes de botar o tapete na sala, tem que ver o que tem debaixo. O problema ali é que, até tem esgoto no Centro, mas o pessoal joga nas (redes de) águas pluviais, inclusive gordura, o que é bem nojento. Quando chove forma aquela língua negra que sai por baixo do píer do Centro. Então, o ideal é checar primeiro a ligação de cada casa e cada comércio”, defende, lembrando que o Plano Diretor também prevê o aterramento do cabeamento dos postes.
Empresário faz enquete paralela
O segmento turístico também está de olho na discussão acerca das futuras obras no Centro. O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (SindSol) de Armação dos Búzios, Thomas Weber, também promove uma pesquisa em seu perfil para saber a preferência dos seguidores.
“E óbvio que é possível que a Prefeitura altere o edital para utilizar outro piso, mas eu particularmente não entendo exatamente o porquê da troca do piso. O paralelo que já existe pode ser reaproveitado, óbvio que tem que retirar e trabalhar a compactação do solo e nivelar a calçada com a rua para permitir acessibilidade, mas o paralelo me parece mais resistente do que o material intertravado. E certamente seria uma grande economia para o município”, comenta.
A Prensa entrou em contato com a Prefeitura para obter mais informações sobre o processo de concorrência, bem como para questionar o motivo de uma enquete, apesar de a troca por piso intertravado estar prevista no projeto. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.