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“Por uma outra Cabo Frio” – Por Gabi Pérola

 

Sou nascida e criada em Cabo Frio. Dos meus 34, vivi (morei, trabalhei, estudei) 30 anos na cidade, porém, ainda possuo vínculos com família, amigxs, compromissos da militância, enfim, uma história. Meu tronco e minha copa crescem em outros terrenos, mas minhas raízes ainda estão em Cabo Frio. As circunstâncias e oportunidades da vida me levaram a escolher outra cidade para trabalhar, viver e, por que não, amar também.

Até o ano 2000, eu e minha família morávamos no Buraco do Boi – fica entre Marlin, Centro, União, Passagem, e a mais linda praia que você respeita, Praia do Forte. Estes são os bairros que estão na lista dos mais caros da Região dos Lagos – digo isso para grifar (ou gritar) as inúmeras desigualdades sofridas por quem precisa empreender diariamente com qualquer inicial (seria capital, se fôssemos ricos) que a sorte lhe apresenta mesmo sem perspectiva alguma.

No final dos anos 90, minha mãe, viúva, diarista, com duas filhas e um filho, suas questões e um sonho para pôr em prática. Sim, ela sempre acreditou e fez tudo o que pôde para estudarmos. Na época eu não compreendia muito bem, mas minha mãe era e é uma gestora de altíssima qualidade. Atingiu, sem verba, recurso ou incentivo, seu objetivo de vida em menos de 30 anos. Ela diz que nos vendo formadxs, é como se ela estivesse formada. Hoje eu e meus irmãxs, promissorxs fracassadxs, neste mundão racista, classista e excludente, estamos resistindo em novas missões, cumprindo nossas metas e, em meio ao caos, tentando dobrar as expectativas de vida, conforme acentuou o presidente Temeroso no ano passado para justificar um de seus golpes.

Foto de Mariana Ricci mostra barracos do Buraco do Boi, atrás da Praia do Forte em Cabo Frio, em 2010

Quando fomos para o Jacaré (outro bairro periférico), eu estava vislumbrando a ideia de ingressar na faculdade e já votava. É, eu acreditava, ou assimilava, que “votando certo” era a melhor maneira de resolvermos as mazelas sociais e que o futuro dependia única e exclusivamente disso. Em meio a slogans e frases de efeito nas propagandas partidárias comparadas aos resultados que tivemos nos últimos anos em educação, saúde, moradia e lazer, podemos perceber o quanto eu estava errada. Não estou dizendo que as políticas públicas das quais (ou das que não) fiz/faço jus não são necessárias, estou afirmando que o cenário político atual de nossa cidade é uma crise produzida por pessoas, ditas de bem, com o intuito de exterminar a parcela pobre/preta da população, que segue na resistência. E através do tão valorizado voto, colaboramos para ações deliberadas de sociopatas (quiçá, psicopatas) contra o povo pobre.

“Forasteiro, não há forasteiro,
Pois nesta terra todos são iguais…”

Esses versos são do hino de Cabo Frio e me vêm à cabeça toda vez que vejo a prefeitura monopolizando o serviço de flanelinhas; dificultando/burocratizando a licença ou apreendendo mercadorias de vendedorx ambulante por falta da mesma licença; menosprezando e agredindo artistas locais; tratando da pior forma seus funcionárixs públicxs – tais profissionais nem sempre são cabofrienses; enquanto assistimos os mesmos governantes fechando negócios mi ou bilionários, através da máquina pública, com outros forasteiros e locais, haja vista a Salineira, o Cabo Folia, a especulação imobiliária entre outras formas de multiplicação de capital, que não gira nas mãos de quem vive em Cabo Frio. Qual a diferença entre o primeiro e o segundo grupo? Somos mesmo iguais? Vejo uma inclinação muito forte do governo para com forasteiros e cabo-frienses ricxs.

Após votar seriamente em 4 eleições municipais, perdi as esperanças de que a situação do povo cabofriense ou de qualquer outro canto se resolva com política partidária. Tenho acreditado no sentimento de comuna, latente nas periferias, com algumas ações mais eficientes que o voto ou a espera infundada na promessa do político fanfarrão: ceder o mantimento que te sobra praquela família desprovida (o famoso copo de farinha); cuidar das crianças da mãe que trabalha à noite ou nos finais de semana ou feriado; participar dos mutirões, enfim, doar o que pode para o avanço individual e/ou coletivo. Isso sim são políticas que transmitem seriedade e comprometimento e foi assim que minha família sobreviveu. Um dia cedendo, no outro recebendo…

Com todas as dificuldades, alguns poucos milhares de famílias teve o mesmo êxito da minha, em condições similares. Não podemos dizer que sozinhas, considerando as ações populares, mas podemos dizer que com pouca interferência do governo municipal para conseguir condições minimamente humanas para vivermos. Um exemplo disso é que até início da década passada, várias casas no Buraco do Boi eram barracos, inclusive a minha. Atualmente, somando todos, não chegam a três. Qual política pública foi usada para que essxs moradorxs tivessem um lar com menos riscos de doenças e acidentes? Nenhuma do governo municipal. Reparem não faço questão de dizer que é fácil gerir um município rico e populoso, nem de provar a incompetência dos últimos gestores, mas de ressaltar que o modelo vigente não foi feito para nos atender desde sempre. E neste momento, em Cabo Frio, isso fica muito evidente.

Não consigo ver luz no fim do túnel, então, enquanto nossos governos seguem com medidas descabidas contra o povo, perde o arranjo para o levante da periferia. Todo poder ao povo!

Gabi é professora

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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