Quando foi criado em 1922, o Partido Comunista Brasileiro conseguiu arregimentar um grande número de simpatizantes no Rio de Janeiro. Cidade com centenas de fábricas e uma mão de obra numerosa, não foi difícil para que esta mesma classe trabalhadora se identificasse com muitas propostas do “Partidão”.
Também não demorou nada para que as atividades do partido chamassem a atenção da Polícia do Distrito Federal, mais especificamente do braço político da corporação. Desde o início do século XX, a Polícia do Rio de Janeiro criou a tradição de monitorar este tipo de atividade política, oriunda de partidos e movimentos sociais.
Na estrutura burocrática do Estado, esta atividade tomou corpo na criação de vários órgãos que tiveram como função precípua, coletar informação, monitorar e claro, reprimir as atividades de partidos, movimentos sociais ou agremiações considerados pelo Estado como perigosos à ordem pública.
Estes órgãos receberam o nome de Departamento de Polícia Política e Segurança DESPS, Departamento de Polícia Política e Social DPS e Departamento de Ordem Política e Social DOPS. O nome de fantasia mudava, de acordo com os ventos da política e as conveniências da burocracia, mas a atividade fim permanecia a mesma.
Pois bem, ao longo de décadas, estes órgãos produziram e acumularam uma quantidade enorme de documentos, que só muito recentemente passaram a ser disponibilizados aos pesquisadores. Uma parte muito importante da história recente do Brasil está enterrada nestas montanhas de documentos.
Uma destas muitas histórias, creio, pode nos ajudar a entender e responder à uma pergunta que considero para lá de contemporânea: por quê a “esquerda” não vence no Rio de Janeiro. Nas eleições municipais de 2016, a cidade do Rio de Janeiro foi o cenário para uma disputa eleitoral, que não se resumia apenas às diferentes plataformas políticas de candidatos em disputa. Era uma eleição em que projetos políticos muito diferentes estavam sendo discutidos. De certa maneira, ali naquela eleição para Prefeito do Rio de Janeiro, uma parte do futuro do país estava em jogo.
Como se sabe, a candidatura de Marcelo Crivella sagrou-se vencedora e uma das razões apontadas para a derrota de seu oponente, Marcelo Freixo, era que sua candidatura, embora empolgante, não conseguiu atingir os corações e as mentes do carioca que morava nos distantes bairros da periferia. Como carioca, o que mais ouvia ao perguntar aos meus confrades suburbanos sobre as razões para não terem votado em Freixo era a resposta de que ele, um “candidato Zona Sul”, ou seja, um candidato cujas propostas estavam muito mais afinadas com o horizonte intelectual dos moradores da “Zona Sul”, do que dos moradores de outros bairros da cidade.
Isso me intrigava por demais. Afinal, “playboy” por “playboy”, Eduardo Paes encaixava-se muito mais neste perfil e mesmo assim, ganhou uma eleição com uma tranquilidade poucas vezes vista na história política do Rio de Janeiro. Como dizia o Caetano Veloso, tinha alguma coisa fora da ordem.
Pois bem, aproveito este espaço para mostrar ao leitor minha hipótese, baseada em um exame da história política do Rio de Janeiro, nos últimos 70 anos.
Quando trabalhava com a documentação sobre o Partido Comunista produzida pelas polícias políticas do Rio de janeiro, constatei que o partido conseguiu desenvolver uma grande rede de células, associações de bairro, agremiações, etc, em praticamente todos os bairros do Rio de Janeiro. O ‘partidão” estava presente em uma favela de Bráz de Pina, na forma de uma associação de moradores a reivindicarem melhoramentos para o seu bairro, estava presente em uma indústria têxtil, em uma célula, estava presente também em algum bloco de carnaval, e assim por diante.
Resumindo, pelo menos no período em que esteve na legalidade, o Partido Comunista desenvolveu um forte sentido de capilaridade de suas atividades. Creio que isso ajuda, e muito, a explicar o seu breve, mas surpreendente sucesso eleitoral. Ora, depois que o Partido Comunista caiu na ilegalidade, não houve registro de agremiação de “esquerda” que conseguisse replicar a capilaridade atingida pelo Partido Comunista. E essa lacuna, desde então, foi ocupada pelos evangélicos.
Por isso, creio que o sucesso de Crivella nestas eleições deve-se ao fato de que hoje quem consegue desenvolver uma penetração junto à população de maneira similar àquela que o Partido Comunista teve no passado são os evangélicos, e sua vitória por isso não chega a ser surpreendente.
Não sei, mas penso que não seria de todo mal se os setores da esquerda no Rio de Janeiro tomassem o passado como uma fonte de reflexão sobre o que fazer no futuro. Seja como for, o legado deixado pelo Partido Comunista no século XX, pode ser consultado no Arquivo Público do Rio de Janeiro.
Para não esquecer: o Arquivo fica na Praia de Botafogo, 480 e apesar do tsunami que se abateu no governo do Estado, ainda está lá funcionando.