Por Mark Zussman
Imagina uma pessoa com um histórico de narcisismo ou megalomania ou hipomania. A pessoa nunca foi hospitalizada por um desses transtornos e, na verdade, esses não são entre os tipos de distúrbios mentais para os quais as pessoas, tipicamente, são hospitalizadas – nem pelos quais as pessoas se encontram, normalmente, numa camisa de força. Mas imagina que essa pessoa nunca sequer consultou um psiquiatra ou um psicólogo. A pessoa funciona. A pessoa até realiza algumas grandes conquistas.
Soma-se à situação já esboçada que a pessoa em questão não tem experiência prévia num emprego governamental. Não tem, aparentemente, a menor capacidade de focar por mais de 15 segundos em alguma questão senão a da sua própria imagem no espelho – ou do seu ibope. Não tem, aparentemente, a menor autoconsciência ou auto-conhecimento. Num mundo racional, esta pessoa não teria alguma expectativa de ser eleita vereador numa cidadezinha provinciana no meio da mata. E agora, de repente, esta pessoa é autorizada a sentar-se na mesa de trabalho do Presidente dos EUA, no mítico Escritório Oval na Casa Branca em Washington. Ela tem acesso exclusivo, dia e noite, ao aviãozão Air Force One, e, quando ela viaja, é acompanhada o tempo todo por um adido que carrega uma pasta preta que contem os códigos nucleares para acabar com o mundo num estalar de dedos. E não podemos esquecer o séquito de bajuladores, puxa-sacos e todo tipo de mensageiro, moço de recados e general de cinco estrelas para executar as suas ordens e até os seus caprichos sem pestanejar e sem levantar a menor objeção.
Seria – isto é uma pergunta – seria uma surpresa se todas as regalias, toda a pompa e todo o vasto poder ao alcance dos seus dedinhos servissem como estímulo para um super-surto de narcisismo ou megalomania ou hipomania na pessoa em questão? Como se uma pessoa com nada mais do que um Complexo de Napoleão tivesse, de repente, os poderes de Napoleão?
É isso que está acontecendo agora em Washington, Distrito Federal, EUA. O menino Trump está, aparentemente, pirando.
Eu não quero escrever um resumo detalhado das maluquices das duas primeiras semanas do mandato dele: A proibição da entrada nos EUA por cidadãos de sete países predominantemente muçulmanos; as brigas que ele vem comprando com o México e até mesmo com a distante Austrália; a sua birra prolongada a respeito do tamanho da multidão que assistiu à sua posse. (Menor do que a multidão que assistiu à posse de Obama? Vamos instaurar um inquérito exaustivo para desvelar as mentiras da imprensa liberal desonesta!).
Eu estou acompanhando o desenrolar dos eventos lá principalmente através da imprensa de lá (para quem não sabe ainda, sou nativo de lá), e na minha língua materna, inglês, e lá são noticiados todos os detalhes revoltantes e mórbidos. Mas sintonizo, inevitavelmente, a imprensa brasileira também ao decorrer do dia, e com certeza a imprensa brasileira noticia todas as peripécias significativas. Só uma coisa desaponta na imprensa brasileira. A imprensa brasileira é tímida demais na sua avaliação do menino Trump. Até Miriam Leitão e Dorrit Harazim, duas articulistas que, sem alguma dúvida, entendem o que está acontecendo nos EUA – e mesmo na mente do Trump – perfeitamente bem, hesitam aparentemente em dar os nomes certos aos bois. Vamos, portanto, aos nomes.
O menino lá é louco? Insano? Fora dos tribunais penais, onde um réu que, no julgamento de peritos, é criminalmente insano não pode sofrer as mesmas penalidades que um réu compos mentis, a psiquiatria, na realidade, desaprova os termos insano e insanidade. O que era insanidade no passado agora é psicose ou esquizofrenia ou transtorno afetivo bipolar. Quanto à loucura, louco é uma palavra que usamos para caracterizar um amigo que pretende entrar num concurso para ver quem come mais cachorros quentes no intervalo mais breve. Na psiquiatria, não significa absolutamente nada.
Não obstante a relutância em usar as palavras louco e insano, três professoras de psiquiatria escreveram para o ainda Presidente Obama, um tempo atrás, para exprimir “a sua grave preocupação com a estabilidade mental do nosso Presidente-Eleito.” Como é corriqueiro entre os psiquiatras, elas confessaram que não podiam ter confiança absoluta num diagnóstico sem avaliação clínica. Mas elas observaram que os sintomas de “instabilidade mental” nele estavam sendo “amplamente noticiados”, e elas citaram os seguintes: “grandiosidade, impulsividade, hipersensibilidade a qualquer depreciação ou crítica, e uma incapacidade de distinguir entre a fantasia e a realidade.” Elas questionaram a aptidão de Trump para assumir as responsabilidades do Presidente e recomendaram que ele fosse submetido a uma detalhada avaliação médica e neuropsiquiátrica por um time de investigadores imparciais.
As três não estavam sozinhas. Têm muitos. Mais um ou dois ou três ou ainda mais psiquiatras e psicanalistas e psicólogos vêm pronunciando todos os dias. Eu recomendo em particular o Manifesto Público chamado Terapeutas Cidadãos Contra o Trumpismo e assinado por um grande número de profissionais do ramo. Encontra-se na página http://citizentherapists.com/manifesto.
Nos desabafos dos profissionais, a síndrome mais frequentemente referido é o transtorno de personalidade narcisista. Mas um grande número dos profissionais de saúde mental também usam o termo narcisismo maligno. Isto refere a uma mistura de narcisismo, do transtorno de personalidade antissocial, de agressão e sadismo. Alguma dúvida sobre os termos? A Internet está ao alcance da sua mão.
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No quesito maluquice-entre-líderes, o Brasil tem sido afortunado ou, se prefere, abençoado. Como todo mundo sabe, Maria I, a primeira soberana portuguesa a pisar no solo brasileiro, era louca como um chapeleiro. Psicótica. Ela tinha sido declarada insana, tão cedo quanto 1792, por um médico que também atendia o também doente George III da Inglaterra. Mas, antes da famosa viagem de fuga de Lisboa para o Rio, o Príncipe João, o filho dela, já era regente, e no Rio a Maria morou no Convento do Carmo em frente ao Paço Imperial, no que é agora a Praça XV, por oito anos e não incomodou ninguém. Pedro II era, como todo mundo também sabe, um modelo de sanidade. Também os presidentes da Velha República. Seria difícil hoje em dia admirar a serenidade irrefletida da Velha República. Mas um dos presidentes desse longo intervalo maluco? Acho que não. Jânio Quadros? Fernando Collor? A Dona Dilma? Cada um tem a sua opinião. Mas o Jânio maluco – ou, especificamente, paranóico – principalmente porque ele escreveu “Forças terríveis se levantaram contra mim.” Dilma porque foi noticiado que ela tomava dois poderosos calmantes, Rivotril e Olanzapina? Como eu disse, cada um tem a sua opinião. Eu acho que não. Quanto ao mata-marajás de Maceió, ele era obviamente um narcisista incurável. É por isso que ele continua sendo um narcisista. Mas um rival de Trump na categoria? Não me faz rir. Nem perto.
Se é verdade que o Trump tem graves distúrbios mentais, não será o primeiro lá em Washington. Nixon ou, para os mais jovens entre nós, Richard Milhous Nixon, Presidente dos EUA entre 1969 e 1974, anticomunista ferrenho e flagelo dos vietnamitas nacionalistas até ser derrotado por eles, misturava álcool e medicamentos psicotrópicos, falava sozinho com os retratos dos seus predecessores nos corredores da Casa Branca na calada da noite, e até abraçava a teoria que seria ótimo se os adversários dos EUA achassem que ele era impulsivo, fora de controle, ou, em outras palavras, louco. Seria uma boa base para tirar concessões deles. Mas o fato que ele abraçava essa teoria como uma estratégia não significa que ele não era maluco de fato. Provavelmente fosse.
Até Lincoln – o Emancipador dos escravos e o mais elogiado entro os já 45 Presidentes dos EUA – era, famosamente, melancólico para usar a língua da época. Hoje em dia, diríamos depressivo ou bipolar. E, enquanto pensando no assunto do estado mental de Trump, encontrei um autor que argumenta que uma dose de loucura num líder pode ser até uma vantagem para um país em tempos de crise. O autor se chama Nassir Ghaemi. Ele é professor de psiquiatria no Centro Médico Tufts em Boston, e o livro em que ele argumenta o seu ponto de vista incomum se chama A First-Rate Madness, ou seja, Uma Loucura de Primeira. Só uma coisa: Eu tenho a impressão que a doença mental que ele favorece num líder é depressão ou o transtorno bipolar. Ele diz: “A depressão torna os líderes mais realísticos e empáticos, a mania os torna mais criativos e resistentes.” Eu não li o livro todo. Só um capítulo está disponível on-line de graça. Mas eu não tive a impressão que o Nassir tem grande entusiasmo ou pela esquizofrenia ou por narcisismo.
Enquanto pensando no assunto do estado mental de Trump, eu também passei alguns minutos digitando termos de busca como [líderes loucos história] e [líderes “doenças mentais”] na caixa de busca do Google. Na verdade, busquei em inglês. Dá mais resultados. Encontrei, sem surpresa, nomes bem conhecidos como Calígula, Ivan o Terrível da Rússia, Ludwig o Rei Louco da Baviera. Encontrei nomes menos conhecidos como Charles VI, um rei medieval da França; Henry VI, também medieval, da Inglaterra; e, em tempos mais modernos, Christian VII de Dinamarca. Quem é ele? Algumas listas até incluem a nossa querida Maria a Louca, que morava e morreu no centro do Rio.
E não todos os malucos nas listas são, ou eram, monarcas. Muitas listas mencionam Idi Amin do Uganda, Saddam Hussein do Iraque, Muammar Gaddafi da Líbia, Pol Pot do Camboja, Kim Il-sung e Kim Jong-um da Coreia do Norte. Hitler aparece em algumas listas. Stalin aparece em algumas. Mas a inclusão de algumas dessas figuras leva uma pergunta difícil e desafiadora. Uma pessoa que comete assassínio em massa é desequilibrada mentalmente por definição? Ou os grandes crimes contra a humanidade podem ser cometidos na ausência de um desequilíbrio mental – digamos, pelo mal?
Não quero equipar o Trump com os piores criminosos dos tempos modernos. Ele fala de inimigos, não de adversários, mas, ao que eu saiba, ele, pelo menos até agora, não janta, literalmente, na carne dos seus inimigos como Idi Amin alegadamente fazia. Ao que eu saiba, ele, pelo menos até agora, não matou ou mandou matar ninguém. Mas imagina que o narcisismo maligno dele dê uma guinada para pior. As instituições norte-americanas são fortes o suficiente para contê-lo?
E o que devemos pensar de um eleitorado que colocou no papel do Presidente uma pessoa cujo desequilíbrio mental era perfeitamente visível para todo mundo perceber?