-Traz água com açúcar! Anda logo, menina! Anda logo! Jaçira desespera-se com aflição de sua filha Cleodete. A menina não consegue falar. Molhada de suor e vermelha de desespero.
-Era um homem! Era um homem! Um homem chifrudo! Cleodete repetia. Havia ido, sem permissão dos pais, ao forró do Agastão, no deserto de praia ,areia e mato de Tamoios, o canto mais esquecido de Cabo Frio, no litoral fluminense, nos idos de 1980. Era uma noite quente e abafada, e o forró estava animado como de costume.
Um homem alto, de olhos azuis e usando um chapéu, entrou no forró sem ser reconhecido por ninguém. O forasteiro parecia ter muito dinheiro, pois começou a pagar cerveja para todos que estavam no bar. Ele dançou com muitas mulheres, que ficaram encantadas com sua aparência exótica e seu charme.
Mas já pelas tantas, uma das mulheres que dançava com ele pediu desculpas por ter pisado em seu pé. Foi então que o homem respondeu de uma forma estranha: “Não! Pisou no meu rabo”. A mulher ficou chocada com a resposta e começou a gritar, assustando a todos no salão.
O homem misterioso desapareceu do forró e, para surpresa de todos, o dinheiro do caixa também havia sumido. Ninguém sabia quem era ele ou de onde tinha vindo. Algumas semanas depois, outro forró foi realizado e, para surpresa de todos, o homem misterioso apareceu novamente. Algumas pessoas o reconheceram e ficaram tensas, mas outras estavam animadas com a oportunidade de aproveitar a gastança do tal.
A noite seguia animada e o homem dançava com várias mulheres novamente. Mas em um momento, o grande chapéu do homem caiu, revelando algo que deixou todos horrorizados. Ele tinha chifres de cabra. Todos que beberam da cerveja que ele havia comprado passaram muito mal no outro dia. É o que se conta. O chifrudo nunca mais foi visto.
-É o demônio! É o demônio! Jaçira tinha certeza, e espalhou rápido a história de casa em casa. Jumarez, seu esposo, que vivia de biscates de cidade em cidade, disse que na vila do Rio das Ostras tinha acontecido o mesmo e que um homem de nome Pirata tinha tentado atirar no cão, mas ele virou fumaça. Um parente de Jaçira que passava por Tamoios afirmou que escutou o mesmo no Arraial. Irmã de Jaçira lembrou que a vó delas contava que quando se faz um sino novo, antes de colocarem ele para badalar na igreja, é preciso espalhar uma mentira macabra. Se a mentira rodar o mundo e voltar para o lugar onde foi inventada está garantido o badalar bonito do sino.
Domingo, páscoa, como há muito não se fazia, a família toda e alguns moradores daqueles descampados tristes, foram a missa na matriz, do outro lado do Rio São João. A igreja estava de sino novo, o belém -belém era bonito. Havia o padre velho, que tinha uma mulher e dois filhos muito queridos. Para o rito solene tinha também um padreco novo, de cabelo aloirado, olhos azuizinhos. Jaçira arrepiou. Claeodete disparou a chorar. Jumarez intrigado.
Jaçira no final falou com o padre velho sobre o acontecido. O sacerdote cético lembrou a ela que Deus não dava permissão para o diabo se meter assim na vida de seus filhos, mesmo estando em casas de perdição. Jaçira ficou meio satisfeita. Ao sair, atarantada, na porta da sacristia deu de cara com o padreco bonito, sentiu um gelo na barriga, tropeçou já se desculpando.
-Perdão, padre. Pisei na barra de sua batina.
-Não! Tropeçou nos meus cascos. O padre novo disse gargalhando e sumindo no meio do enxofre.
Nunca mais foi visto, nem ali e nem em outra paroquia vizinha. Quem comungou da mão do padre do inferno diz que sentiu azia e má digestão após o almoço. É o que se conta. E Jaçira repete a história às vizinhas, enquanto troca os panos do bebezinho lindo, com seus olhinhos azuizinhos. Filho de Cleodete, que descansa do parto difícil.