Por Denis Kuck
Depois de velho, resolvi aprender a surfar. Até que consegui. Comecei ao lado de alguns amigos, que foram desistindo ao longo da jornada, enquanto eu resistia. Remava com estilo, furava as ondas, dropava, ficava em pé e costurava desajeitadamente as marolas. Quanto menor, melhor. Mas o que importava era o sal curtindo a pele, a alma líquida. Quem vem para a beira do mar, ai, nunca mais quer voltar. Quer dizer, velho para virar um Kelly Slater, tinha uns 19, 20 e poucos anos.
Mas em meio a amigos boêmios, jornalistas funcionários que são apenas um parafuso para empresas destinadas a dar lucro aos patrões, bebia-se muita cerveja para afogar o último gole de romantismo de um mundo cada vez mais corporativo e duro. E o surfe foi ficando mais bissexto. Um fim de semana em Geribá e olhe lá. Até desaparecer… Que pena. Para compensar, comprei um pé de pato.
Estamos acostumados a permanecer em terra. A água é um ambiente totalmente diferente. Existem ondas, correntes, marés, valas, bancos. Uma das sensações que mais me angustiava ao ficar sentado em uma prancha era a falta de permanência.
Com os pés no chão, quando estamos parados, estamos parados. No mar, não. Achamos que estamos inertes, mas em poucos instantes somos jogados para esquerda, para direita, para o raso e, o que é pior, para o fundo, cada vez mais fundo. Então, é preciso remar e lutar. Às vezes luta-se muito, muitas vezes em vão. Às vezes é preciso desistir e deixar-se levar, esquecer que somos seres terrestres e estáticos. Afinal, timoneiro nunca fui, que não sou de velejar, o leme da minha vida, Deus é quem faz governar.
Mais tarde, resolvi nadar no mar. O sal curtindo a pele, a alma líquida. Nadar no mar é completamente diferente de nadar na piscina. Primeiro é preciso controlar os medos. Racionais e irracionais. De se estar no meio do oceano e tão longe da areia, de tubarões, cãimbras e leviatãs. De se enfrentar as intempéries da natureza na horizontal, com a visão embaçada e audição primitiva.
Ao contrário do surfe, fica-se menos parado. Não bastam as braçadas, é preciso levantar a cabeça e navegar. Fixar um norte e seguir. O resto é instinto. Pode ser uma ilha ao longe, pedra, farol, refletor, píer, prédio. Mas a linha nunca vai ser reta. Não adianta insistir. Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar.
Outro dia soube que vou ser pai. Caramba! E agora? Podia até escrever que tenho uma missão desafiadora, fascinante e tenebrosa pela frente. Como o mar. Mas isto seria bem ruim. Quem tem missão é o Bope.
Na maior parte do tempo, deixo-me contaminar por uma espécie de mágica. Mas conforme o tempo passa, também fico angustiado e com medo. Como se cuida de um bebê tão pequeno e frágil?
Atualmente, tem guia para tudo. Vem até com vídeo. Vai lá no You Tube. Da maternidade até tapar buraco na parede. Uma noite, resolvi pegar um desses manuais. Era um livro, com textos sagazes e ilustrações transadas, sobre como papais descolados vivenciaram a experiência de ter filhos. Como os autores eram super cool, não era um guia. Ora, mas era um guia. Nosso bebê isso, nosso casamento aquilo. Acabei ficando nervoso de verdade.
Sem falar na quantidade inesgotável de cursos, programas, sites, blogs e produtos feitos para os pais darem uma criação perfeita aos seus príncipes e princesas. O capitalismo é um bicho inventivo e traiçoeiro.
No final das contas, não existe manual de instruções para ter filho. Nem para nada. Melhor ter o instinto como Norte. Quem sabe algum cais ou farol. Que importa se vai Leste ou Oeste? É paternidade sem timão, sem timoneiro.
Mas se precisar, dou umas braçadas para consertar a rota.