Por Mark Zussman
O Victor – quero dizer, Victor Viana, o editor deste jornal on-line – escreveu alguns dias atrás: “Vc poderia agora escrever sobre o Brasil.” O que que é isso? Eu e minha mulher Barbara estamos nos angustiando pela epidemia de Trumpismo assolando o nosso país de origem, os EUA. Estamos aflitos e abatidos. Estamos inconsoláveis – ou além de inconsoláveis. Além do mais, estamos ficando cada vez mais obsessivos. Às vezes, em casa – ou mesmo, fora de casa, com amigos – a conversa vaga para outras bandas, mas não cola. Conta com os chatos para sempre redirecionarem a conversa de volta para a nossa fixação doentia. Sim, eu sei, talvez o futuro lá nos EUA não seja tão sombrio quanto as notícias parecem prometer. O próprio Obama, na última saída, mundo afora, da sua Presidência, semana passada, só esbanjava otimismo. Primeiro na Grécia e na Alemanha, depois no Peru, ele veio batendo na metáfora de que os Estados Unidos não são uma embarcação leve e veloz. Os EUA são um porta-aviões. Não fazem uma volta de 180 graus de um momento para o outro. O seu próprio peso o segura. O raio de viragem é do tamanho de algumas centenas de campos de futebol. Obama acha, aparentemente, que uma grande parte do seu próprio legado progressivo estará a salvo da tempestade anunciada. Eu acho que ele não está lendo a imprensa. Eu garanto que não está lendo a Prensa de Babel. De qualquer forma, não escrevi duas vezes, recentemente, para avisar ao Obama que um vendaval já está em andamento. O companheiro Obama tem outras fontes de informação. Escrevi para clarificar, para os meus vizinhos aqui em Búzios, alguns pontos que a imprensa brasileira estava deixando vagos ou confusos.
Mas concordo plenamente com o Victor. Eu poderia escrever agora sobre o Brasil. Eu poderia escrever sobre Búzios em particular. Só uma ressalva. Não quero escrever nem crônica nem comentário/opinião – que é mais ou menos o mesmo animal. Temos crônica e comentário/opinião demais nesta cidade. Temos reportagem de menos. E não é que não gostei de algumas das bagatelas que vêm brotando neste site.
Eduardo Almeida escreveu com charme sobre as saudades de Búzios que ele sentia numa época em que estava morando em Cabo Frio. Agradeço a notícia que a feira orgânica de Ferradura ia dar à luz a um filhote no Porto da Barra domingo passado. Fomos lá, um pouco tarde demais, confesso, mas fomos, e compramos um bom salmão defumado, com requinte e sotaque argentinos. Até uma notícia sobre a visita à nossa cidade por um jogador de futebol chamado Adriano Imperador me deu a impressão que estava mais bem atualizado do que, na verdade, eu estou. (Outras contribuições vêm me deixando decepcionado, francamente. Amigo Zé Carlos Alcântara, você escreveu um panegírico à memória de Isac Tillinger sem nenhuma historieta que traria o Isac de volta à vida. Você nem mencionou que o Isac era uma baleia, talvez a pessoa mais gorda num raio de 20 quilômetros. Você que o conhecia melhor do que outras pessoas, o que ele comia? Como ele comia? Você nos deve um relatório mais íntimo.)
Boas ou menos boas, as crônicas e os comentários saindo neste jornal e em outros veículos em Búzios não substituem os artigos não necessariamente investigativos mas simplesmente informativos que precisamos. A situação em nosso único hospital, agora parcialmente fechado, por exemplo. Fechou só por ingerência financeira? Ou a crise hospitalar em cidades vizinhas também pesou neste desenlace? Em que medida? E, de qualquer forma, quando vai reabrir? E para quem? Só para moradores? Em qualquer cidade, mas sobre tudo numa cidade turística, isto não é um escárnio? (Os dois artigos que acabam de ser publicados neste site começam a responder a essas perguntas.)
Essas manilhas que foram implantadas sob a Avenida Ribeiro Dantas à altura do Porto da Barra e com vazadouro na Praia de Manguinhos frente ao Restaurante Boteco 77? Qual era a proposta? E qual o propósito? Por que o sistema aparentemente não funciona? Dinheiro, não água, ralo abaixo?
Alguém não gostaria de passar dois ou três dias na companhia de um dos nossos vereadores e comunicar os fatos de uma forma clara mas também vivaz?
Por que, então, eu não faço essas e outras reportagens potencialmente úteis? Posso esclarecer. Primeiro, sou coroa. Daqui a poucos dias, vou completar 73 anos, e o tipo de reportagem que gostaria de ver e ler seria melhor feito por pessoas jovens e enérgicas e sem a necessidade de preparar a casa para uma possível enxurrada de refugiados chegando de Nova York e Los Angeles e outros centros populacionais inconformados com a nova ordem a dois passos das suas portas. Outra coisa: Sou estrangeiro. Escrevo com uma certa facilidade porque a minha formação era predominantemente literária. Confesso que muitas vezes prefiro a companhia dos meus livros à companhia de pessoas. E, em conversas (e em entrevistas seria pior), às vezes falho, enguiço. Entendo facilmente o português de um Bonner e de uma Renata Vasconcelos no Jornal Nacional ou de um Chico Pinheiro ou uma Ana Paula Araújo no Bom Dia, Brasil. Mas, com pessoas da terra aqui em Búzios, às vezes pego somente uma palavra em três e então fico meio gago e o meu interlocutor pergunta, Você não fala português? Prefere falar inglês? Eu simplesmente não sou a pessoa certa.
E, como eu falei, a conversa em minha casa sempre volta para a situação confrangedora nos EUA. O governo lá tem sido sequestrado por um bando de abilolados e – obrigado, Lula – aloprados com forte influência nacionalista, racista e, para usar os termos apropriados para avaliar um vinho complexo, algumas notas fortes e inconfundíveis neo-nazistas. Obama, como eu disse, está em negação. As demais forças hostis ao Trump estão em colapso. Estão esvanecendo como se nunca tivessem existido. Muitas pessoas em Califórnia, um estado que, a propósito, votou esmagadoramente em Hillary, estão bradando sobre a possibilidade de se retirarem da União Federal e se unirem com o Canadá. Treze mil voluntários já estão colhendo assinaturas para colocar a questão da secessão na cédula eleitoral em 2018. Na verdade, um Canadá maior com o acréscimo da Califórnia, do Washington e do Oregon (esses últimos, os estados que se encontram entre a Califórnia e o Canadá) e com os estados do Nordeste americano, inclusive Nova York, seria um país legal nos moldes de um país europeu de bem-estar social – mas mais dinâmico economicamente. Esse novo país – o Canadá maior – teria uma forma um pouco estranha, como um desses pórticos pelos quais se entra em um grande número de cidades brasileiras. Mas isso não importa. Muitos países têm forma um pouco estranha – o Chile, por exemplo, que parece um cabo de selfie. Mas a separação não vai acontecer. Os estados que votaram no Trump nunca abririam mão de uma galinha que põe ovos de ouro, e, por isso, a Califórnia e outros estados conseguiriam sair só se pegassem em armas nucleares.
No New York Times, li uma coisa ainda mais patética – é um programa, proposto por Nicholas Kristof, um comentarista lá, de 12 passos – ou seja, coisa de escoteiro – para arcar com o novo cenário. A sua sugestão número 3: “Eu vou evitar a demonização de pessoas que não concordam comigo a respeito da eleição . . . . Vou evitar comparações com Hitler, reconhecendo que elas param a conversa e só raramente convencem. Vou me lembrar que nenhum dos lados é o dono da verdade e muitos apoiadores do Trump são gente boa (em inglês, good people) e só querem o melhor para o país. A esquerda já se meteu em encrenca por sua condescendência à classe operária, e tratar todos os apoiadores de Trump como racistas só aumenta esse problema.”
Esta é a situação nos EUA. Triunfo para os aloprados. Quixotices ou escoteirismo na parte dos derrotados. E – palavra final – eu adoro esse “muitos apoiadores do Trump são gente boa e só querem o melhor para o país” (“Many Trump supporters are good people who want the best for the country”) do comentarista Kristof. Ah, é? Gente boa no sentido que esses “muitos” apoiadores do Trump não cometem assassinatos e não estupram e sempre ficam sentados, até nove horas da manhã, às suas mesas de trabalho sem desperdiçarem tempo em conversa fiada com colegas? Ou gente boa até porque eles querem o melhor para o país? E, se eles são gente boa só porque desejam o melhor para o país, essa boa vontade perante o país pode ser aplaudida sem a gente saber que eles, esses apoiadores do Trump, tenham iluminação cognitiva o suficiente para distinguir o que é, exatamente, que constitui esse “melhor para o país”? Alternativamente, Kristof está ironizando, sutilmente, os apoiadores da Hillary que acham que só eles são gente boa? E, se é isso, eles acham que eles são gente boa até porque eles também não cometem assassinatos e não estupram e sempre ficam sentados, até nove horas da manhã, às suas mesas de trabalho, etc.? Ou essas características são admiráveis só na medida que coincidem com o fato que eles votaram na Hillary? Ou, porque eles votaram na Hillary, else são gente boa por definição? Confesso essas questões são, como nós, americanos, diríamos, paroquiais. São questões que impactam em nós e não em vocês. Vocês, brasileiros, não têm a obrigação de entrar.
Não queria escrever nem crônica nem comentário, mas é isso, lamentavelmente, que eu fiz.
As minhas duas contribuições anteriores sobre esses mesmos assuntos enfadonhos se encontrarão nas páginas
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