Por Mark Zussman
Eu não tenho a menor ideia de quem será o próximo secretário de turismo aqui em Búzios. Mas eu também não sei quem era o secretário de turismo aqui em Búzios durante os últimos dois ou três ou quatro anos. Às vezes, ouvi um boato que um tal de Alexandre Raulino era o secretário de turismo. Se sim, pode ter sido o mesmo Alexandre Raulino que eu encontrava de vez em quando, no Rio, na década de 90, quando eu ainda morava em Nova York e vinha ao Brasil uma ou duas ou três vezes por ano para assistir a eventos como o Brazil Travel Mart e Destination Brazil em prol de uma revista de viagens norte-americana. Não sei ao certo o que o Alexandre Raulino fazia nessa época, mas tinha a impressão que ele circulava entre posições de uma determinada importância e dignidade em entidades como o Rio Convention and Visitors Bureau e Embratur. Era uma pessoa de uma cordialidade urbana e cosmopolita típica dos próceres do setor. O inglês dele era esplêndido. Mas, se é verdade que ele e não um outro Alexandre Raulino era secretário de turismo aqui em Búzios por um tempo, ele ocupou o posto com uma discrição beirando a clandestinidade, e saiu sem deixar traços.
Mas vamos voltar ao presente. Foi publicado neste jornal virtual que Thomas Weber, o proprietário do Hotel Byblos e diretor e ex-presidente da Associação de Hotéis de Búzios, seria o próximo secretário de turismo. Depois, foi publicado que Thomas foi demitido antes de assumir, ou algo assim, e um rapaz com o nome peculiar de Cesar do Trolley seria o secretario de turismo e Cristiano Marques, que já tinha sido secretário de turismo por um breve período no passado, seria o número dois.
Difícil não ter a impressão que este jornal virtual favorecia o Cristiano como, mais uma vez, o número um. No dia 4 de janeiro, Victor Viana e Sandro Peixoto, os dois fundadores deste jornal, publicaram um editorial sob o título “Cristiano Marques entende de turismo, todos concordam.” Dois dias depois, o Victor postou o comentário seguinte ao pé desse editorial: “Eu assinei o texto mas discordo. Ninguém em Búzios entende de Turismo de verdade, são todos amadores.” Logo depois, o Sandro também postou um comentário: “Eu também concordo com o Victor. Tudo amador.”
Eu não gosto dessa longa série de Rs e Ss que os brasileiros colocam aqui e ali para indicarem que uma matéria precedente estava engraçada. Ou uma coisa está engraçada ou não está engraçada. A coisa fala por si. Não gosto, mas com respeito aos dois parágrafos precedentes, vou permitir uma exceção à minha própria regra: RsRsRsRsRsRsRs.
Importa quem será o próximo secretário de turismo aqui em Búzios? Ou não importa?
Vou contar duas histórias sobre a minha própria experiência na promoção de turismo aqui em Búzios. (A propósito, não tenho nem pousada nem restaurante nem serviço de transportes. Não tenho nenhum interesse comercial.)
História #1. No mês de outubro, 2012, recebi um email de Marcelo Lartigue dizendo que haveria, dali a poucos dias, uma convenção de planejadores de convenções, congressos, e outros eventos em Las Vegas, estado do Nevada, EUA. A Alessandra tinha obtido um bilhete de avião, de cortesia, para participar. Poderíamos, minha mulher Barbara e eu, escrever algumas páginas em inglês para a Alessandra distribuir lá em forma de uma edição especial do Perú Molhado?
Para quem está chegando atrasado à nossa contínua novela buziana, Marcelo Lartigue era o dono e redator-chefe do nosso saudoso jornal semanal Perú Molhado. O Perú Molhado era, em minha opinião, ao longo das suas mais de três décadas de vida, um dos mais brilhantes e imaginativos jornais do mundo, e Marcelo era o gênio editorial que o mantinha à tona da água apesar de tempestades incessantes. O Marcelo morreu em 2014 e, com ele, também morreu, ou quase morreu, uma das maiores instituições da cidade. (Quase morreu? Após a morte do Marcelo, o jornal deu alguns últimos soluços antes de sumir definitivamente.) Mas quem consulta o expediente deste jornal virtual verá que o Marcelo, por incrível que pareça, apesar de morto, ainda presta serviços como conselheiro editorial.
Alessandra (Cruz) era a namorada do Marcelo. Era também a diretora comercial do PM.
Quando eu recebi esse email do Marcelo, Barbara e eu estávamos no Rio, mas voltamos a Búzios no dia seguinte, como previsto, e nos sentamos frente às nossas telas e, nos dois dias seguintes, escrevemos milhares de palavras (talvez 8 ou 9 ou 10 mil palavras, não sei ao certo) para preencher as páginas dessa edição especial em inglês. E as palavras eram palavras mais ou menos novas e não as palavras convencionais desses folhetos produzidos rotineiramente, quase automaticamente, mundo afora, e depois folheados uma vez destraidamente por um curioso e, na seqüência inevitável, deixados atrás numa mesa de uma praça de alimentação. Esclarecemos para os americanos e outros anglófonos que apareceriam lá em Las Vegas como e por que Búzios é diferente dos outros resorts e balneários que eles já conheciam.
Explicamos que Búzios, como resort, serve, principalmente, a Zona Sul do Rio como as cidades dos Hamptons, na Long Island, no Estado de Nova York, servem, principalmente, os moradores do Upper East Side de Manhattan. Explicamos que Búzios também recebe muitos hispanófonos dos países vizinhos. E explicamos que Búzios carece de muitos desses requintes, ou falsos requintes, que um visitante americano ou europeu costuma encontrar no Caribe, por exemplo. Na maioria das nossas pousadas, as camas são menores, e menos firmes, do que as às quais os americanos e outros estrangeiros estão acostumados. Não oferecemos serviço de quarto a toda hora da noite. E, se oferecêssemos, a operadora não falaria inglês. Dissemos que, na maioria dos balneários que procuram turistas estrangeiras, a indústria turística faz malabarismos para se acomodar ao turista. O charme de Búzios é que você, o turista, tem que se adaptar a nós. Digo sem falsa modéstia que era uma série de textos diferenciados e inteligentes.
No dia seguinte ao nosso trabalho em casa, fomos ao covil que era a redação do jornal. Em 20 minutos, Sandro Peixoto escreveu um artigo charmoso, para acompanhar os outros textos, sob o titulo “O Dia em que [Francis Ford] Coppola quase se tornou buziano,” e Barbara o traduziu para inglês na hora. Me lembro do momento porque Sandro, enquanto ainda estava escrevendo, nos perguntou se soubéssemos como falar “plantar bananeiras” em inglês. Foi a primeira vez que Barbara e eu tínhamos ouvido a expressão, mas Sandro fez uma mini-demonstração e Barbara escreveu “did handstands.” Quem plantava bananeiras ou “did handstands” (escolha a língua que mais te agrada) aqui em Búzios na década de 70 era, segundo Sandro, Mick Jagger. Agora, Barbara e eu sempre associaremos a expressão plantar bananeiras com esse momento.
Marcelo, Caroline Moreira (a Carol, a grande diagramadora do Perú), Barbara e eu escolhemos um monte de fotos para iluminar os textos. Me lembro que, para um público ainda meio puritano nos EUA, mesmo na cidade devassa de Las Vegas, Barbara e eu tínhamos que vetar umas das fotos mais impudicas pelas quais o Marcelo se entusiasmou. Em poucas horas, tínhamos um jornal de 16 páginas em inglês e a Alessandra o trouxe para Las Vegas.
Por que eu não consigo escrever uma coluna curta como todo mundo? Eu acho que tem a ver com a adrenalina que eu sinto escrevendo numa língua que eu mal falo – e descobrindo que, apesar da minha confusão, geralmente eu encontro a palavra que por um tempo me esquivava. E eu gosto da gramática portuguesa – tão diferente da nossa. Tenho que acrescentar algumas observações sobre a experiência, nesse dia, com Marcelo.
O Marcelo – argentino até o final – falava um português singular, quase ininteligível, pelo menos por mim, e muito pouco inglês. Em inglês, ele sabia coisas como Yankee Go Home e talvez algumas outras palavras avulsas. O Marcelo era dessa geração de sul-americanos que lia Eduardo Galeano e outros da mesma estirpe e para a qual, portanto, o inglês era a língua do inimigo hereditário. Ao que eu saiba, Marcelo, portanto, nunca leu os textos que Barbara e eu escrevemos. Ele só se interessava na chamada que colocamos acima de uma foto das praias de Azeda e Azedinha e João Fernandes, na capa. A chamada disse, “You have the nerve to call this a convention center?”, e quando foi explicada como “Vocês têm o descaramento de chamar isso de um centro de convenções?”, ele estava satisfeito. O Marcelo sabia como mobilizar e aproveitar e, falando sem papas na língua, explorar o talento e as energias nas suas imediações, e não se preocupava obsessivamente com os detalhes.
Tem que ser concedido que o Marcelo não promoveu Búzios só pelo prazer de promover Búzios ou pelo prazer de exercer a sua grande imaginação e a sua criatividade ou pelo prazer de ter alguma atividade para absorver as suas energias. Ele tinha mais um motivo. Quando o Marcelo preparava uma edição especial do Perú para um congresso da ABAV ou para um evento na Argentina ou no Chile ou, uma vez, até em japonês para um evento no Japão, ele pensava também na possibilidade de vender espaço publicitário para pousadeiros e outros comerciantes que queriam alcançar um público fora de Búzios. Mas eu acho que, para Marcelo, o motivo financeiro sempre era secundário. O importante era de agir – de exercer imaginação e criatividade e ter um escape para energias. E se o mundo fosse meio racional, o Marcelo teria sido o ditador – ou o comandante – de Búzios ou pelo menos o principal responsável pela promoção de turismo em Búzios, e nós, as pessoas menos enérgicas e criativas, teríamos executado as suas ordens sem questioná-las.
De qualquer forma, além da distribuição que a Alessandra fez em Las Vegas, Barbara e eu enviamos essa edição especial, em formato digital, para amigos e familiares anglófonos fora e dentro do Brasil e eles elogiaram e, um dia, Marcelo me informou que Ricardo Amaral e algumas outras pessoas sérias e inteligentes no Rio elogiaram, e eu comecei a pensar que, dada a qualidade do produto, ele poderia ser adaptado para outras ocasiões. Teria sido fácil. É por isso que, por muitos anos, fiquei ao lado do telefone à espera de alguém na Secretaria de Turismo ligar para me pedir para fazer uma outra versão, um pouco atualizada ou adaptada, para um outro evento. Mas eu fiquei ao lado do telefone em vão. Esse telefonema da secretaria nunca veio.
História #2. Espero que esta seja mais curta. No início de 2011, eu recebi um telefonema de uma funcionária da secretaria de Búzios – uma pessoa que eu conhecia – e ela disse que o secretário (nenhuma ideia quem era na época, mas com certeza não era nem o Isac nem o Cristiano) tinha pedido a ela para ligar para mim e perguntar se eu pudesse traduzir um folheto deles para o inglês.
Eu achava um pouco deselegante o fato que o próprio secretário não ligou. Ele estava atarefado demais? Mas tudo bem. Eu não estava muito atarefado, e eu sempre tinha esperado que a Secretaria de Turismo ou algum outro ramo do governo municipal, ou alguém no setor privado, ligaria para aproveitar da minha boa vontade como cidadão buziano. Eu não procurava uma oportunidade para cobrar e lucrar. O dinheiro não me interessa muito. Só queria ser útil.
Eu disse, Sim, claro. O texto chegou em seguida. Uma folha, nada mais. E eu traduzi dentro de uma meia hora. Um texto totalmente inócuo. Insosso. Cheio dessas palavras estupefacientes como inesquecível, irresistível, encantador, sofisticação, e sossego que, graças aos burocratas da promoção de turismo, mundo afora, tornam todos os destinos de sol e praia indistinguíveis um do outro. Teria sido mais fácil e mais gratificante simplesmente escrever um novo texto, começando na estaca zero, do que traduzir um texto mal redigido no português original.
E tem pior. Não tenho espiões, não, mas eu tenho uma amiga que tinha conhecimento das deliberações nos altos escalões da Secretaria de Turismo, e ela relatou, um tempo depois, que eu não era a única pessoa a ser convidada para traduzir essa folha meio idiota. A secretaria tinha, aparentemente, montado um tipo de competição para ver quem submeteria a tradução mais correta, eu, um americano nato com um longo currículo na imprensa e na edição anglófonas, ou um desses brasileiros especializados em ensinar o inglês em lugares como CCAA, Wise Up, Yázigi, Fisk, Wizard e não sei quantos mais, quer dizer, um desses brasileiros especializados em passar os seus erros em inglês para uma nova geração de brasileiros.
Não tenho a menor idéia se a minha versão foi ou não foi usada finalmente. Ninguém me informou. Com certeza, ninguém me agradeceu. Mas minha amiga com conhecimento das deliberações lá nos altos escalões da secretaria relatou que mais um desses caciques do ensino da língua inglesa aqui em Búzios (e se ele está lendo, ele sabe quem ele é), atuando como o árbitro da competição, exprimiu graves dúvidas a respeito do meu uso da palavra inglesa “yesteryear”. Ele nunca tinha visto a palavra antes – ele tinha morado nos EUA por uma temporada – e concluiu, portanto, que a palavra não existia. Obviamente, o autor da tradução inventou!
Interessante. Eu não tenho mais a versão original, em português, do texto que eu traduzi. Só tenho a minha tradução, que encontrei anexo a um antigo email. Por isso, só posso imaginar a palavra ou a expressão que eu traduzi pela palavra inglesa “yesteryear”. Talvez “outrora”. Talvez “dias idos”. Mas provavelmente o simples “no passado”. “No passado”, num inglês igualmente simples, seria “in the past”. Mas “yesteryear” é uma palavra muito mais gostosa e nós, de uma certa geração de americanos, temos um apego especial pela palavra porque, quando crianças, nós assistimos todas as semanas a um seriado de faroeste chamado The Lone Ranger, que sempre começou com as palavras “Return with us now to those thrilling days of yesteryear”, ou seja, Volta agora conosco aos dias emocionantes de outrora.
Yesterday significa ontem – uma palavra inglesa que, provavelmente, até o anti-imperialista anti-americano Marcelo conhecia. Não requer muita imaginação para entender que yesteryear significaria anos passados. E nós temos em inglês, também, yestermorrow, yestereve, yestereen e muito mais, apesar de algumas delas sejam bem arcaicas. Ou seja, você não reconhece uma palavra, rapaz? Abre o seu dicionário. Abre o seu dicionário. É fácil. Ou pesquisa na Internet. Só recomendaria que o dicionário seja usado com critério. O dicionário serve bem para confirmar a existência de uma palavra ou para esclarecer o significado de uma palavra. O uso do dicionário bilíngüe para traduzir, por outro lado, resulta em todos esses absurdos de inglês que encontramos em tudo que é lugar no Brasil – nos folhetos turísticos, nos cardápios, nas notificações expostas nos quartos das pousadas e dos hotéis, e nas legendas dos filmes.
Caso a diferença entre Marcelo e a Secretaria de Turismo ainda não seja nítida, o Marcelo nem leu os textos que Barbara e eu escrevemos, e ele ganhou uma muito boa peça promocional. Talvez um clássico. A Secretaria de Turismo foi paralisada por uma palavra simples numa língua que a secretaria não tinha a competência de avaliar.
É por essa e outras razões que não me importa quem será o próximo secretário de turismo de Búzios. A falta de imaginação é quase universal nas repartições públicas. A solução: ou tomar o Marcelo, apesar de morto, emprestado do expediente deste jornal virtual ou desmantelar a Secretaria de Turismo e investir o dinheiro economizado na coleta do nosso lixo. Na coleta do nosso lixo, um pouco de imaginação e racionalidade seriam bem-vindas, mas não são absolutamente necessárias. Rsrsrsrsrsrsrsrs.
Nota da Redação: ” Victor e Sandro informam que estavam bêbados e não se responsabilizam pelos comentários que fizeram – também não se responsabilizam pelo editorial que fizeram sóbrios”