Foi desde o canto esquerdo da Praia do Canto, bem próximo às pedras que a separa da Praia dos Amores que Octavinho, então um jovem arquiteto que adorava Búzios, viu a tentativa do que seria o fim da cidade tal qual conhecemos hoje. Por cima dos telhados das casas humildes dos pescadores, lá longe dos olhos do Octavio surgia um embrião de um terceiro andar. Quase um arranha-céus na então aldeia de pescadores. Era a casa do finado Tuíco, um buziano de posses que teve a ideia de aumentar seu patrimônio até o limite imaginado. Armação dos Búzios era uma cidade linear. Casas simples com telhado de duas águas no máximo. Uma simpática aldeia de pescadores típica da costa brasileira.
E era essa simplicidade que fazia Búzios ser diferente. A época, Cabo Frio e as cidades vizinhas já haviam decidido crescer para cima. Octavio que, apesar de jovem, já havia adquirido o respeito dos moradores saiu em disparada pela praia segurando seu pareô (canga) pela cintura para o mesmo não cair (reza a lenda que não havia nada por baixo) e esbaforido chegou à casa do Tuíco em menos de um minuto.
-Parem tudo! Exclamou o arquiteto.
-Vocês não sabem que é proibida em Búzios a construção de um terceiro andar?
Um breve silêncio tomou conta do ambiente. Era visível nos rostos dos presentes a expressão de surpresa. Ninguém sabia daquela regra, mas se era uma regra deveriam cumprir. O proprietário do imóvel mesmo a contragosto brecou o acréscimo e a casa ficou apenas com um segundo andar – que já se destacava na paisagem. Como numa cidade com apenas 6 mil moradores, se tanto, ninguém sabia da regra que proibia um terceiro andar em Búzios? Simples: a regra não existia e foi parida no ato pelo desespero do Octavio que já imaginava aonde iriamos chegar se aquele embrião gerasse frutos.
Sabemos, no entanto que uma mentira, por mais bem intencionada que seja, não se sustenta por muito tempo. E foi pensando nisso que Octavio resolveu transformar a epifania em realidade. Candidatou-se a vereador por Búzios (ainda éramos distrito de Cabo Frio), ganhou a eleição e fez valer seu sonho implantando no distrito uma Lei aonde se limitava a altura dos imóveis. Por isso que até hoje a cidade não tem espigões como os outros municípios da região. Essa regra não só salvou a cidade da mediocridade reinante como favoreceu por demais os imóveis da cidade.
A Lei, no entanto, não resolveu tudo e é possível ver aqui e ali uma construção ou outra acima do limite legal. Coisa de gente medíocre que vira fora da lei por causa de uns metrinhos a mais. Governos populistas fecharam os olhos para as ilegalidades e a harmonia aos poucos vai sumindo do horizonte. Felizmente nem tudo está perdido, pois apesar de no Brasil existir leis que não pegam, a proibição do terceiro andar caiu no consciente coletivo e noves fora os mais afoitos, a maioria dos moradores defende a Lei com fervor.
O segredo do sucesso é eterna vigilância, pregam há milênios os chineses. Por isso é sempre bom lembrar o dia em que um jovem que se apaixonou pela cidade e inventou uma mentira para salvar a mesma da ganância especulativa. A ideia do Octávio não só impediu Búzios de explodir demograficamente como criou um estilo arquitetônico que virou referência no Brasil e no mundo. Não à toa somos hoje uma república de arquitetos. Se tivéssemos prédios, nossos profissionais da arquitetura seriam no máximo reformadores de interiores de lojas e apartamentos, como nas cidades grandes. Aqui a criação fervilha, pois os espaços são abertos. Apesar de os limites serem específicos, é no minimalismo que a criatividade floresce.
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