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O médico que deu nome a famosa de Copacabana

 

Enquanto a carruagem balançava pelo calçamento irregular da freguesia de São José, no Rio de Janeiro, Eusébio de Queiroz olhava pela janela o burburinho da cidade. O barulho de tanta gente aglomerada, às vezes lhe desagradava, outras o divertia.

Eusébio era Ministro da Justiça do Império uma posição que lhe rendia mais temor do que admiração. Naquela época, a Polícia que comandava não gozava do respeito da população do Rio de Janeiro. Tida na época como violenta, corrupta e ineficiente, esta  polícia era um poço de problemas. O efetivo com que contava era pequeno, mal treinado, mal armado. O mais complicado era a geografia da cidade. No Centro, eram tantas vielas, becos e ruas sem saída, que só por um milagre algum subordinado seu poderia prender alguém.

Não bastasse isso, o costume de andar armado tornava qualquer cidadão uma potencial ameaça. Eusébio de Queiroz sabia que o grande problema era uma revolta escrava, como a que aconteceu em Salvador, poucos anos antes liderada por escravos conhecedores do Alcorão. Na época, o termo não existia, mas aquilo que aconteceu em Salvador foi, de certa maneira, uma Jihad. Imagine o leitor a situação: uma cidade onde a maior parte dos serviços era realizada por estrangeiros vigiados de perto pela Polícia. Um número considerável deles sabia ler e escrever e mais, falava para seus companheiros de infortúnio que a liberdade daquela condição estaria em Alá, líder de uma guerra santa contra os infiéis e aquela injustiça.

Nós hoje, conseguimos imaginar isso em uma cidade como Jerusalém, dividida por um muro, ocupada a maior parte do dia por palestinos que sequer têm o direito de morar na cidade. trabalham durante o dia e à noite, voltam para seus bairros. Salvador na década de 1830, era uma cidade mais ou menos assim. A Revolta dos Malês foi iniciada pela mesma etnia que hoje comanda o Boko Haram, uma espécie de braço africano do Estado Islâmico na Nigéria. Eusébio de Queiroz tinha motivos para temer pela segurança do Rio de Janeiro.

Eusébio de Queiroz queria conhecer a cidade em cada detalhe, sem que para isso tivesse de sair do conforto de seu gabinete. Ele sabia que isso era possível, já lera sobre isso, pois algo assim fora feito na Europa e até nos Estados Unidos. Sonhava com um mapa, onde pudesse saber as informações dos moradores de cada viela daquela cidade.

A escravidão, ou melhor, o fim do tráfico africano de escravos era uma realidade, e ele sabia bem disso enquanto olhava pela janela da carruagem. Aquela cidade com a multidão de negros vindos de todos os cantos da África, um dia, seria coisa do passado. Mas por enquanto, havia coisas mais importantes com o que se ocupar do que imaginar o futuro do Rio de Janeiro.

O médico que deu nome a famosa  rua da Tijuca. Foto pano de fundo Guilherme Coelho/Mapio.Net 

Foi então que Eusébio de Queiroz conheceu um jovem médico, que tinha umas ideias parecidas com as do Ministro de Justiça. Este jovem chamava-se Roberto Jorge Haddock Lobo, um médico talentoso, bem apessoado até, de quem lhe deram boas recomendações.

No gabinete do ministro, Haddock Lobo sentou-se na ponta da cadeira e começou a falar. A cidade do Rio de Janeiro, todos sabiam era uma das mais insalubres do mundo. Muitos dos que chegavam ao porto da cidade, iam direto para o cemitério, vítimas das constantes epidemias de Febre Amarela, Tifo, Malária, sem contar a Tuberculose, que matava aos poucos.

Os escravos, a razão de ser da cidade continuar funcionando, eram as maiores vítimas desta procissão de moléstias. A morte era uma dimensão fundamental da vida dos escravos do Rio de Janeiro, e isso teve uma influência profunda em vários aspectos da cultura popular carioca, da religiosidade à música. A pipoca  que os devotos do Candomblé hoje usam para passar no corpo é uma pálida alusão aos efeitos devastadores da Varíola, que quando não matava, desfigurava.

Eusébio de Queiroz e Haddock Lobo sabiam que elaborando um mapa do Rio de Janeiro, uma espécie de recenseamento de sua população estariam matando vários coelhos com uma só cajadada. A ideia de mapear a cidade já havia tido resultados positivos na Europa. Quando Londres foi vítima de uma epidemia de cólera, o médico John Snow identificou todos os lugares onde era maior a incidência de casos. Depois, comparou estas informações com os lugares onde a população costumava buscar água potável. Percebeu então que juntando estes dados havia uma relação entre a quantidade de casos de Cólera e o abastecimento de água. A ação de Jonh Snow entrou para os anais da história da Medicina como a primeira vez em que um sistema de análise de informações foi utilizado em benefício da administração de uma cidade.

Haddock Lobo estava entusiasmado com estes resultados, e achava que algo semelhante poderia ser aplicado no Brasil. Eusébio de Queiroz concordou com a ideia, mas ele também tinha outros planos. Se um recenseamento destes pudesse sair do papel, pensava ele, o que o impedia também de usá-lo para combater a criminalidade? Afinal, crime também é doença nesta cidade, argumentou ele.

Desta conjunção de interesses surgiu então  o recenseamento, que o Ministério da Justiça do Império realizou em 1849 para o Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que a cidade foi esquadrinhada, casa a casa, rua a rua. Eusébio de Queiroz montou uma operação de guerra para realizar a tarefa, destacando centenas de policiais. A população previsivelmente, recebeu muito mal a iniciativa. Afinal, declarar coisas sobre a vida privada era expor demais a população ao escrutínio de uma instituição que não gozava de nenhuma confiança.

Haddock Lobo trabalhou intensamente durante um ano, elaborando os questionários, instruindo os recenseadores, corrigindo e revisando os resultados. O retrato que surgiu deste trabalho foi o de uma cidade muito diferente do Rio de Janeiro que conhecemos hoje. Convido o leitor a pelo menos passar os olhos neste tipo de documento.

Haddock percebeu que o Rio de Janeiro não era apenas a capital do Império do Brasil, era também uma  cidade extremamente cosmopolita. Gente de todos os cantos da África falava ainda os dialetos de suas terras de origem. O português com o que estamos acostumados era uma, dentre tantas línguas faladas no Rio de Janeiro. Além disso, havia também o grande número de imigrantes moradores na cidade. É verdade que os portugueses estavam presentes em cada quarteirão do Rio de Janeiro, mas havia também americanos, franceses, alemães e até russos.

Ou seja, o Rio de Janeiro era uma cidade que tinha de lidar, todos os dias, com a diversidade étnica, religiosa e cultural. Haddock Lobo percebeu isto fazia parte da estrutura daquele gigantesco organismo vivo que ele conhecia como Rio de Janeiro.

Há muitas lições a tirar do trabalho de Haddock Lobo e Eusébio de Queiroz. A primeira delas é que eles estavam a par do que estava sendo experimentado no resto do mundo, principalmente na Europa, mas isso não significa que tais medidas teriam o mesmo êxito, quando colocadas em prática no Brasil. Haddock Lobo deu-se conta de que a cidade poderia ter muitos problemas, era suja, malsã e violenta, mas também tinha uma grande capacidade de incorporar as experiências de pessoas vindas dos mais diferentes cantos do mundo. Isso deveria valer de alguma coisa, raciocinou o médico.

Sentado no seu gabinete, Haddock Lobo, olhava os nomes das ruas e comparava com a quantidade de brancos, pretos, homens, mulheres, crianças, moços e velhos, honestos e vigaristas. Estavam todos ali, pensou ele, a cidade era um resumo de todos eles.

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A segunda lição que creio podemos tirar desta história para os dias de hoje é que esta capacidade de conviver com a diversidade, talvez seja a grande riqueza do Rio de Janeiro, o tesouro oculto que aquele médico do século XIX descobriu.

Atravessada por uma crise sem precedentes, me pergunto se não seria a hora de levarmos a sério aquilo que Haddock Lobo descobriu ao colocar a cidade onde morava no papel. Atualmente, Haddock Lobo é o nome de uma movimentada rua na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Fico aqui imaginando que se fosse dada uma segunda oportunidade, ele teria uma ou duas coisas a dizer às autoridades que hoje governam a cidade, onde um dia viveu.

Texto de opinião. Não corresponde necessária mente a opinião do Prensa

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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