Fábio Emecê
O samba é parte do céu, da terra e do mar. Sem o samba, qualquer menção a quadril se torna obsoleto. Sem o samba, qualquer história sobre os pretos no território brasileiro se torna obsoleto. O samba é a mistura daquilo que não queriam, do que poderia ser e do que avançou na arte por essas bandas.
Nunca quiseram o batuque, aliás, nunca quiseram colocar a mão da massa, carregar a botija, lavar a escadaria, comer o angu, tocar nas orquestras. Incumbiam aos pretos as tarefas para se ter tempo e se manter o status. Os pretos faziam tudo, mesmo não se tendo o crédito.
Na orquestra se toca música clássica, bolero, tango e twist. Os donos dançavam, bebiam e discutiam o futuro com propriedade e sonoridade. Conhecimento adquirido dos palácios pras ruas. Os batutas que não comiam trufas, mas deram a cadência daquilo que hoje todo mundo chama de samba.
No zungu da Tia Ciata ou na Pequena África do bairro do Estácio. Na Portela, na Estação Primeira ou na Serrinha. O cotidiano da periferia é contado, recontado, lapidado, ressignificado e saturado. As identidades são costuradas e memórias eternizadas. Tudo isso por conta do samba.
A potência não fica alheia os donos e numa jogada de mestre e de suspeição acadêmica, depura-se, ajeita-se e repete-se, sem o tambor, sem o calor e sem a melanina. Bossa, que uns chamam de chacina, outros chamam de grande invenção. O samba não é apenas uma canção.
No miudinho se diz que do morro ele não sai. Finca o pé e se torna Partido Alto. E com alta patente, a origem se faz presente. Dá licença jongueiro velho, que vou entrar na roda. Machado e não é só o de Xangô. Justiçado, justiçou. O samba se presenciou.
Dos bordeis a casa de show, artistas pop, mixagem com o rap, flerte eterno com o pagode. Pouco preto, muito dono. O samba agoniza? Ele vive, com operações de risco, esperando novas intervenções, as vezes tão nocivas que a cadência se descompassa.
O quadril continua, o batuque continua e o Brasil não embraqueceu. Por conta disso, o samba não morreu. Ainda…