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Hospedaria de imigrantes no Rio de Janeiro

 

Hospedaria de imigrantes no Rio de Janeiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Todo os dias ele cumpria a mesma rotina. Ao sair para o trabalho, ele tinha de apresentar seus documentos às autoridades. Já tinha se acostumado com aquilo, desde que saíra de seu país fugindo da guerra, vagou de país em país, em busca de refúgio.

Encontrou emprego como mecânico, e com o que ganhava esperava comprar passagens para trazer o resto da família. Tanto ele, quanto seus companheiros eram vistos com suspeita. A imprensa publicava histórias de possíveis atos de terrorismo e sabotagem contra pontes, instalações elétricas e militares.

Não estamos falando do cotidiano de um imigrante sírio ou iraniano em Londres, Berlim ou Paris. Esta era a vida  de Joachim, um trabalhador alemão que encontrou no Brasil refúgio do conturbado cenário político de seu país. Estamos no Rio de Janeiro, então capital federal, em plena II Guerra Mundial.

Hoje assistimos pela televisão e pelas redes sociais, aos inúmeros atentados terroristas na Europa e nos perguntamos por que motivo isso não aconteceu no Brasil, pelo menos até o momento.

Gostamos de invocar o senso comum do “homem cordial”, em uma interpretação apressada de Sérgio Buarque de Holanda. Em uma concessão que fazemos à autocomplacência, contamos a nós mesmos pela enésima vez, a história de que ‘nós”, brasileiros, somos um povo hospitaleiro para com os estrangeiros,  a quem recebemos sempre de braços abertos.

Jornal O Globo 2ª Guerra Mundial

Mas existe uma história ainda não contada, que lança dúvidas sobre este senso comum. O Rio de Janeiro sempre foi uma cidade com um grande número de estrangeiros. Na década de 40, a cidade passou a ser o lar não apenas de imigrantes portugueses e espanhóis, mas também de alemães, poloneses, russos armênios e judeus, todos em busca de refúgio contra a tempestade que já se aproximava da Europa.

A escalada do fascismo e do anti semitismo no Velho Mundo, encorajou muita gente a cruzar o Atlântico em busca de paz e trabalho. Uma história dos refugiados da II Guerra que vieram para o Brasil está para ser contada ainda, mas pelo menos a documentação sobre isso pode ser encontrada em algumas instituições, como o Arquivo Histórico do Itamaray e o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

Ao chegada ao Rio de Janeiro já dava uma ideia de como as coisas seriam difíceis no novo lar. Os imigrantes ficavam às vezes semanas na Hospedaria dos Imigrantes, zona portuária da cidade. Dali, recebiam uma documentação para poderem ficar no país. A rede de parentes, amigos e mesmo vizinhos na antiga terra natal era decisiva para a sua permanência.

Joachim poderia ter escolhido como destino de sua viagem o Sul do Brasil, mas gostou da cidade e decidiu ficar. Conhecia muito bem o seu ofício, a mecânica de máquinas industriais, como tornos mecânicos e fresadoras.

Mas isso por si só, não era o fim dos seus problemas no Brasil. Quando o Brasil declarou guerra contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), imediatamente todos os imigrantes destes países residentes no Rio de Janeiro passaram à condição de “suspeitos”.

Vários navios brasileiros foram afundados por submarinos alemães, fazendo centenas de vítimas. A imprensa todos os os dias publicava histórias de “sabotadores” que estavam escondidos no Rio de Janeiro, que se faziam passar por trabalhadores comuns. O que impediria um brasileiro de pensar que um mecânico alemão, que mal sabia falar o português não fosse um destes sabotadores?

Na época, a Guerra poderia estar sendo travada à milhares de kilômetros de distância, mas ainda ainda assim os seus efeitos eram sentidos pelo cidadão comum. Havia um racionamento de produtos, mercadorias de consumo básico como pão, leite ou carne tinham quantidades estipuladas pelo governo para cada família. Caso alguém quisesse comprar uma quantidade a mais só era possível no mercado negro. Os escritórios e as fábricas eram instruídos regularmente a fecharem todas as suas janelas, como parte de exercícios de possíveis bombardeios.

A polícia de Getúlio Vargas estava atenta à toda sorte de manifestação de desagrado, não raro respondido com a prisão. Definitivamente, o Rio de Janeiro vivia sob um clima de constante medo. hoje, por conta de uma distorção do passado, que só o saudosismo é capaz de fazer, fazemos uma imagem da cidade como um balneário tropical, onde a violência e as favelas não faziam parte desta paisagem.

Mas as coisas estavam longe e ser assim. Para quem era estrangeiro viver na cidade nesta época, não era muito diferente do que sente um tunisiano morando em Paris, ou um iraniano e paquistanês que vivem em Londres. tinha sempre alguém olhando para você.

O governo brasileiro criou para estes estrangeiros um salvo conduto, um documento que estes imigrantes tinham de ter sempre à mão, quando saíssem do Rio de Janeiro. Portanto, caro leitor, se você quiser saber como seria uma Europa no século XXI dominada pelo medo do terrorismo radical de um Estado Islâmico, aproveite e conheça a história do Rio de Janeiro durante a II Guerra Mundial.

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Marc Bloch, que foi fuzilado pelos nazistas em 1942, escreveu que o medo fazia com as pessoas vissem “coisas”. Assim ele anotou em seus diários quando foi um sargento á frente de uma tropa, durante a I Guerra Mundial.

O Rio de Janeiro sempre teve uma história complexa com o Medo, esse sentimento que nos faz enxergar coisas. Joachim, um mecânico alemão, que não pensava em outra coisa que não trabalhar para trazer sua família para o Brasil, rezava todos os dias para que algum carioca, tomado por este medo, o visse como o próximo sabotador.

 

Texto de opinião. Não corresponde necessária mente a opinião do Prensa

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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