*José Carlos Alcântara
Todo o dinheiro público que escorre em pagamentos de propinas, sobrepreços e má execução de obras causando o enriquecimento ilícito, é só uma ponta do iceberg, apenas o cheiro do ralo. As instituições que teriam condições de combater a corrupção, estão de fato comprometidas de tal forma, que esse problema está agora enraizado em praticamente todos os setores da vida pública brasileira.
O roteiro já foi mapeado há muito tempo através do laudos das fraudes elaborados pela Polícia Federal. Costuma-se dizer no jargão policial, que todos já estão cansados de ver o modus operandi dos criminosos. Esse caminho pode ser dividido em quatro etapas:
- Elaboração inicial de um projeto “viciado” para execução de obras;
- Lobby e propina para os políticos o incluírem nos recursos dos orçamentos públicos;
- Execução combinada da licitação para o favorecimento de empresas;
- Alterações no projeto para lucrar com os “adicionais” do custo da obra.
Há muitos peritos trabalhando atualmente em todas regiões do país, produzindo centenas de laudos por ano e fazendo levantamentos elaborados em vários municípios, dentro do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que apontam para um número surpreendente: a cada R$ 3 investigados em obras, pelo menos R$ 1 tem o seu desvio comprovado, equivalentes a bilhões de reais apresentando irregularidades, com as suas maiores fontes de recursos sendo provenientes do governo federal.
Há preços acima do mercado nos projetos (sobrepreço), superfaturamento (pagamento de valores acima do contrato) e obras pagas mas jamais executadas, que são os principais problemas. As edificações e as reformas de prédios públicos, postos de saúde e a construção de casas populares, lideram as fraudes, seguidas por obras de saneamento básico e pela construção de estradas.
A corrupção não é uma exclusividade do Brasil, mas aos poucos estamos conseguindo chegar ao seu foco. As licitações públicas por exemplo, são quase sempre uma questão de negociatas. As pessoas admitem que para ganhar podem ter que pagar algo por fora.
Mas, a dificuldade de se descobrir isso, é que há muitos bloqueios para se chegar a esses níveis de corrupção, porque há muita esperteza para impossibilitar se descobrir como precificar e classificar esses delitos. Se assim não fosse, como é que se poderia ganhar tanto dinheiro com os malfeitos?
A ONG Transparência Brasil enfatiza que há um excesso de lacunas legislativas que favorece a corrupção. Mas o monstro também é alimentado pela quase completa falta de controle sobre a administração e fiscalização do dinheiro público. Se a ocasião faz o ladrão, o Brasil é um país cheio de boas ocasiões. Pois, mesmo que leis sejam criadas, não resolvem nada sozinhas se não forem acompanhadas da fiscalização.
Uma grande usina da corrupção é a facilidade para se ocupar e distribuir cargos. O peso das assembleias legislativas e câmaras de vereadores nas negociações políticas, é a distribuição de cargos públicos. Mesmo que hajam muitos corruptos apanhados, poucos estão na cadeia e continuam a fomentar o nível de crescimento da corrupção em toda a administração pública.
No caso dos estados e municípios, se as assembleias legislativas e câmaras de vereadores fiscalizassem com rigor as contas do poder executivo, muita corrupção poderia ser evitada. Mas, como evitam fazer corretamente esse trabalho, na maioria das vezes por conveniência, o ralo da corrupção só aumenta.
A Controladoria Geral da União CGU, realiza sorteios públicos de municípios que receberão visitas de auditores para fiscalizar a administração pública local, sobre gastos dos recursos federais que são repassados por diversos ministérios, como Educação, Saúde, Integração Nacional, Cidades e Desenvolvimento Social. A íntegra de cada relatório traz itens checados, problemas administrativos e as respectivas respostas dos prefeitos.
Os relatórios de fiscalização mostram que cerca de 96% dos municípios têm algum tipo de irregularidade na gestão de recursos federais. O dinheiro do Ministério da Educação e o da Saúde, é campeão em graves problemas administrativos nos municípios e apenas 5% deles não têm algum tipo de deficiência na gestão dos programas de transferência de renda.
Se houvesse um planejamento do combate à corrupção fazendo um ataque forte e concentrado no poder de quem recebe o dinheiro público para gastar, veríamos que o funcionário público é apenas parte do esquema. Ao mudar o foco para a instituição que recebe esse dinheiro, percebemos que é ali que está a origem da maioria das fraudes.
Mesmo com milhares de agentes públicos sendo punidos e presos por serem flagrados em atos de improbidade administrativa, corrupção e outras safadezas semelhantes, isso parece não diminuir a vontade de roubar e eles continuam soltos e a praticar esses malfeitos.
A CGU reclama que não adianta muito apontar os responsáveis, para depois julgar com toda essa lentidão da Justiça, pois as leis processuais do Brasil permitem uma infinidade de recursos e medidas protelatórias de tal ordem, que qualquer bom advogado consegue prolongar um processo por 10, 20 anos. E, esses corruptos, são justamente os que podem pagar os melhores escritórios de advocacia do país.
*José Carlos Alcântara é consultor empresarial e Assessor da Presidência da ACRJ Associação Comercial do Rio de Janeiro