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Imagem: Divulgação

Artigo de opinião de Magnun Amado

Ontem publiquei com revolta o fato envolvendo a arte do artista Marlon Muk em que faz uma divulgação do restaurante de iguarias baianas McOxente retratando a comida baiana na figura de sua dona, Ana do Acarajé. Passados três dias da conclusão do mural, o mesmo amanheceu pichado num ato de vandalismo explícito. Além do ato criminoso de depredação de um bem numa propriedade privada, a pichação, implicitamente demonstra a desvalorização da cultura e das matrizes africanas de uma culinária fundamentada no Candomblé.

E aí mora uma reflexão que a sociedade precisa fazer de atos como esse: a pichação da figura se dá pelo mero motivo de vandalizar?

Quando se consome uma comida, se divulga uma arte, quando são utilizados elementos onde sua origem é fruto de povos perseguidos na história está compartilhando uma cultura, para utilizar a ideia de “comida como cultura”, o símbolo como cultura, o ato de comer e de expor sua arte como cultura. Todo o processo de seleção, separação, preparação e consumo de comida são práticas construídas socialmente, a escolha do símbolo correto as tradições, as autorizações religiosas, o ambiente, as cores tudo tem o porquê. Tal processo tem base em trocas, negociações que possuem significados dentro do grupo e da preservação dos povos que se originam os símbolos. A comida e as práticas que a envolvem servem para frisar distinções identitárias de gerações, gênero, grupos e classes.

De modo geral, os comportamentos ligados à comida ganham, desse modo, um espaço essencial no aprendizado social, por seu caráter vital e, ao mesmo tempo, cotidiano. As práticas relacionadas à comida revelam, frequentemente, a cultura em que cada indivíduo está
inserido.

As Baianas de acarajé (ou simplesmente Baiana) é como são chamadas as mulheres que se dedicam ao ofício tradicional de vender acarajé e outras iguarias das culinárias africana e afro-baiana. Tiveram papel fundamental na cultura brasileira, na luta pela abolição da escravatura e na origem do samba, das religiões de matrizes afroameríndias como o Candomblé e das macumba cariocas. O acarajé quem dele vive é um patrimônio sagrado de um povo.

Difundida no candomblé e ofertada para a orixá Iansã, a receita chegou ao Brasil vinda do Golfo do Benim, na África Ocidental, por imigrantes africanos na época da escravidão.

A palavra acarajé se origina da língua africana iorubá: akará = bola de fogo e jé = comer, sendo assim, “comer bola de fogo”. O significado vem da história de Xangô com sua esposa Iansã.

Conforme a narrativa da Fundação Joaquim Nabuco, “Iansã, a deusa dos ventos e das tempestades, foi à casa de Ifá (oráculo africano) buscar um alimento para seu marido. Ifá o entregou recomendando que quando Xangô comesse fosse falar para o povo. Desconfiada, Iansã o provou antes de entregá-lo ao marido e nada aconteceu. Chegando em casa, entregou o preparado a Xangô, sem esquecer de repassar as informações do Ifá. Xangô o comeu e quando estava falando ao povo, começaram a sair labaredas de fogo da sua boca. Aflita, Iansã correu para ajudá-lo, começando também a ter labaredas de fogo saindo da sua boca. Diante disso, o povo começou a saudá-los de grandes reis de Oyó, ou seja, grandes reis do fogo”.

De acordo com outra versão da história, “um dia Iansã foi levada por Xangô às terras dos baribas. De lá ela traria uma porção mágica, cuja ingestão permitia cuspir fogo pela boca e nariz. Iansã, sempre curiosa, também usou a fórmula, e desde então possui o mesmo poder do marido”.

Quando ofertada para os orixás, a receita é apenas frita, não podendo ser modificada e só deve ser preparada por filhos de santo, não havendo dissociação do candomblé. O acarajé é preparado com diferentes formas e tamanhos, de acordo com a oferenda. O maior e mais redondo é oferecido a Xangô e os menores para os obás (ministros de Xangô) e para os erês (intermediários entre a pessoa e seu orixá). Para Iansã, são oferecidos tradicionalmente nove acarajés, também pequenos – ela é considerada a deusa dos nove partos/filhos e a crença diz que o número está ligado às passagens desse orixá. Sendo assim, ofertando a ele essa quantidade de acarajés, é possível que se consiga maiores graças.

Em Ilê Ifê, na Nigéria, o acarajé representa os filhos gerados do orixá. O acarajé banhado no azeite de dendê é relacionado ao feto ainda em estado de formação, envolto em sangue.

A comercialização do acarajé começou no período da escravidão e foi se tornando uma fonte de renda para os terreiros, quando as ‘escravas de ganho’ passaram a vender o produto para outras pessoas. O acarajé era considerado um alimento bom para as crianças e idosos doentes ou com anemia, porque fortalecia e fazia melhorar. Seu consumo era restrito a negros, escravos e livres, moradores de rua e pessoas pobres. Esse tipo de alimento não fazia parte do cardápio das famílias com melhores condições econômicas.

Diante dos relatos históricos e do fato concreto do vandalismo, pichar o rosto de uma baiana está para a história do Brasil assim como a figura de um chute na imagem de Nossa Senhora. A codificação do sagrado e a terceirização do mundo sob a ótica afroameríndia possui códigos que transcendem as palavras. Os “macumbeiros” falam por diversas formas: quando dançamos, quando tocamos os nossos tambores nos toques de ijexá, nagô, cabula, adarrum, barra-vento… quando passamos na encruza e batemos o paó. Você pode não entender mas para nós, comer o acarajé tem um fundamento muito maior do que comer um bolinho de feijão fradinho frito no azeite de dendê.

É fundamental que o Poder Público em todas as esferas preservem a cultura e solicite aos órgãos competentes verificar se o ato em si seja meramente um ato de vandalismo mas que esconde em si atos criminosos complexos. Permitir a pichação de uma baiana paramentada com uma roupa de santo é a porta de entrada para a expulsão de país e mais de Santos dos seus terreiros e a desconstrução da nossa própria ancestralidade. É um ato de resistir.

Magnun Amado
Babalorixá de Umbanda
Presidente do PT – Macaé
Co-Fundador do movimento Macaé Mais Tolerante

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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