Caro Leitor, faça o seguinte exercício: se você estiver lendo este texto a partir de uma rede social, aproveite para fazer uma busca em sua timeline, para verificar quantas vezes algum tipo de conteúdo relacionado a Robôs, Inteligência Artificial apareceu em seu aplicativo. Agora, faça outro exercício: verifique quantas tarefas cotidianas você realiza com a ajuda com a ajuda de algum programa de computador, aplicativo, equipamento automatizado, etc.
Faça uma lista destas tarefas, e tente lembrar-se de quantas destas tarefas eram realizadas por seres humanos há dez, vinte, ou trinta anos atrás.
Como é possível fazer isso? Afinal, realizamos estas tarefas de maneira tão automática e banal, que sequer nos damos conta de que agora elas são realizadas com a ajuda de máquinas, e não mais de seres humanos.
Um antropólogo poderia raciocinar da seguinte maneira: “tornar estranho aquilo que lhe é familiar, e familiar aquilo que a você antes era estanho”. Ou seja, todas tarefas que hoje fazemos sem nos darmos conta de tão “banais” que são, podem ser listadas, inventariadas.
Qual a intenção deste desafio afinal de contas? Penso que se fizermos isso vamos nos dar conta de um processo que está acontecendo sob os nossos narizes, mas que não estamos nos dando conta. Os americanos chamam isso de “The Rise of Machines”, ou a “Ascensão das Máquinas”. Este processo na verdade significa como procedimentos automatizados como algoritmos e robôs estão ocupando definitivamente as nossas vidas, e isso de maneira irreversível. A intenção deste singelo exercício é tentar mostrar que grandes mudanças, muitas vezes ocorrem sem que nos darmos conta de que elas já estão em plena operação.
Este tipo de percepção e de discussão parece estar completamente fora dos planos das forças políticas no Brasil. Nem a ‘Esquerda”, nem à “Direita”, pouco ou quase nada disseram nestas últimas eleições para Presidente como os governos eleitos vão lidar com realidades que em breve vão assumir uma grande importância em nossas vidas.
A primeira e mais evidente delas é o impacto que a automação terá nos empregos. Muita notícia de jornal já foi publicada sobre a “ameaça da automação e da Inteligência Artificial” sobre os empregos, os direitos trabalhistas, etc. Mas, de concreto mesmo o que sabemos sobre o impacto destas tecnologias? Ela vão tirar os empregos dos trabalhadores para sempre, ou novos mercados surgirão para compensar as vagas destruídas pela automação?
Se abrirmos os jornais e passarmos algum tempo nas redes sociais, a impressão que temos é que este tipo de questão simplesmente não faz parte do universo das discussões políticas e muito menos das discussões da Opinião Pública. É como se a “Inteligência Artificial” fosse um assunto pertencente muito mais à Ficção Científica, do que às discussões políticas.
Na década de 90, quando a “Globalização” chegou ao Brasil, na forma de uma série de discussões sobre a eficiência do Estado, a abertura do mercado brasileiro aos produtos importados, essa mesma discussão foi recebida de maneira algo traumática.
Este “choque” traduziu-se na onda de privatizações, que se seguiu com a década de 1990, na desindustrialização acelerada de vários setores. Todos estes choques foram interpretados a partir de uma “etiqueta”, o “Neoliberalismo”.
O que pretendo dizer com isso? Em primeiro lugar, não estou negando a existência do “Neoliberalismo”, enquanto uma teoria, ou teorias econômicas alinhadas a uma interpretação mais ortodoxa do paradigma neoclássico. Esta teoria existe, pessoas escreveram sobre ela, a defendem em artigos científicos e na imprensa.
Mas o “Neoliberalismo”, ao menos aqui no Brasil, deixou de ser apenas uma corrente econômica defendida por um grupo de economistas e intelectuais. Não, no Brasil, ele é mais do que isso. Creio que o termo “Neoliberalismo” engloba também um conjunto de percepções que intelectuais, estudiosos, entre outros, acerca das transformações econômicas ocorridas no Brasil, a partir dos últimos vinte anos, e que mudaram muito profundamente uma série de instituições, desde a escola Pública, até o acesso à Saúde.
Penso que quando a automação chegar com toda a sua força no Brasil, o choque será de intensidade igual ou mesmo maior àquele ocorrido nos anos 90, com a chegada do “Neoliberalismo”, e seu cortejo de privatizações .
Paulo Roberto é Professor de História e Suburbano Convicto.