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Cadeia não recupera ninguém!

Hoje convivo de forma próxima com uma pessoa que passou pelo massacre dos presídios brasileiros. Apreendido em flagrante pelo artigo 33, “formado” na boca. Carregava seis pinos de cocaína. Nos autos do processo, os policiais relatam 300 pinos e também uma quantidade de erva seca(maconha).

Distorção da história real. Quando a polícia chegou, tinha gente na casa, mas isso também não está nos autos. Lá está o rapaz, promissor, inteligente, cego pelo ódio. Agora é um número sólido na triagem de Benfica.

A família ficou cerca de 15 dias tentando enviar alimentos, cobertores e material de higiene. Destes, quatro foram tentando descobrir onde ele estava. Quase 19 dias para ter um mínimo de contato. Ele conta sobre o constrangimento da nudez, o tratamento desumano, sem médicos ou acesso a remédios, da quarentena no presídio de Benfica, e depois uma transferência para Água Santa. Relata ainda a condição do convívio social dentro da cadeia, que ele sempre compara a uma bomba relógio; “vagabundo falando de crime dia e noite”.

Fala ainda sobre a (falta de) condição sanitária que é desumana, sobre só ter recebido um sabonete e uma escova de dentes que foram doados pela Igreja, sobre ter ficado alguns dias sem cueca nem camisa, apenas de chinelo e bermuda (tudo o que não é branco precisa ser jogado fora na triagem), no frio que faz nas comarcas, sobre ter “varetado”(dividir  o mesmo colchão ou espaço para dormir com outro preso),  sobre a fome que eles sentem lá dentro,  receber comida estragada e em quantidade insuficiente, sobre celas lotadas e o clima tenso que sempre paira pelo lugar.

São coisas que geram trauma e que geram ódio, fruto de escolhas ruins alimentadas pela desigualdade social e pela necessidade, somadas ao dinheiro curto, à fome grande e à negligência de necessidades básicas pelo estado. Um prato cheio de facilidade financeira oferecida pelo tráfico. O estado que nada oferece julga e encarcera.

Mesmo após a liberdade, os traumas e o ódio permanecem presentes. A família trabalha para que ele esteja bem, o mais saudável possível psicologicamente, para que a tentação não seja apoiada pela raiva, para que não cometa outros erros e para que não volte para lá nunca mais.

Quem já teve alguém que ama lá dentro, sabe o sofrimento daquele lugar. Sabe também que nas condições e configurações atuais, não há a possibilidade ou esperança de recuperação, não há chance de ressocialização de um indivíduo plenamente saudável e capaz. A reforma carcerária é uma necessidade urgente. O número de cadeias ruins não diminui o número de gente lá dentro, sendo tratada que nem bicho, dormindo perto do boi (local utilizado como banheiro, pois não tem privada), com superlotação.

A reforma é mais do que necessária. A sociedade precisa cobrar por isso para que o dinheiro investido hoje no sistema carcerário possa no futuro ser utilizado em educação de base. Na realidade de hoje, alimentamos o sistema que mata e joga no cárcere, em sua maioria, a população preta e sem estudo.

Hoje, o João não “meteu mais a mão” (voltou a traficar). O desejo por liberdade tornou-se maior. Porém, não podemos pormenorizar. O problema do tráfico é social, educacional, e continuar apreendendo qualquer um que esteja com uma quantidade insignificante de drogas, é como secar gelo. A rede gigante não sente falta de um vapor(que passa droga pequena) ou um atividade(que presta atenção nos acessos para informar movimentação de polícia) . Um fornecedor parece mais interessante, mas isso envolve filho de desembargador e senadores.

Não só porque eu conheço, convivo e amo alguém que ainda tem resquício disso que eu defendo uma reforma carcerária. Defendo pois moro em um lugar em que a maioria dos meninos da minha rua já tão privados (presos), alguns há mais de dois anos. A maior parte tem nem ensino fundamental completo porque na favela tem gente que “forma” na boca para alimentar a si mesmo e a outras quatro ou cinco bocas. O pobre, o preto, a pessoa sem estudo sempre recebe de forma mais pesada a violência do estado, talvez devêssemos reformar aí.

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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