Há uma dúvida que ronda a fé de qualquer fiel: se o pecar é ruim, por que o pecado é prazeroso? Bom, levando em conta os pecados cristãos, precisaremos analisar textos literários que antecedem a Bíblia Sagrada; tenho em mente um específico: Ele que o abismo viu.
Nessa Epopéia, a primeira da humanidade, vemos muitas reflexões sobre o ser-humano, mas quero tentar responder a pergunta dos fiéis usando Ekindú: o homem mortal feito para se igualar ao homem divino (Gilgamesh), segue como ele foi criado: “Tu, Arúru, fizeste a raça humana!/Agora faze o que se disse:/Que um coração tempestuoso se lhe oponha,/Rivalizem entre si e Úruk fique em paz!”, logo depois: “Arúru lavou as mãos,/Pegou barro e jogou na estepe:/Na estepe a Enkídu ela criou, o guerreiro,/Filho do silêncio, rocha de Ninurta,/ Pelos sem corte por todo o corpo,/ Cabelos arrumados como de mulher:/Os tufos do cabelo, exuberantes como Níssaba,/ Não conhece ele gente nem pátria,¹/ Pelado em pelo como Shákkan,/ Com as gazelas ele come grama,/Com o rebanho na cacimba se aperta,/Com os animais a água lhe alegra o coração.”
Enumerei um ponto específico: “Não conhece ele gente nem pátria”. Ekindú nunca teve contato com outro ser-humano, até que: “Fez com esse primitivo o que faz uma mulher/E o desejo dele se excitou por ela. […] Depois de farto de seus encantos,/Sua face voltou para seu rebanho./Viram-no, a Enkídu, e se puseram a correr,/Os bichos da estepe fugiram de sua figura:/Contaminara Enkídu a pureza de seu corpo. […] Mas agora tinha ele entendimento, amplidão de saber./Voltou a sentar-se aos pés da meretriz.” Nesses versos canta-se a história da prostituta Shámhat e seu contato com Ekindú.
O imperador (Gilgamesh) mandou buscar esse homem puro na floresta e usar de uma mulher para caçá-lo pareceu o mais correto. Veja bem, após “o sexo dela, ele tocar” o rebanho que ele vivia e pertencia não o reconheceu mais como animal selvagem e sim como homem civilizado; lança-se uma luz sobre quem é Ekindú, — o primeiro humano, ou o original, exatamente como Adão, na Bíblia — e como ele se corrompe por meio do sexo.
A ausência de experiência sexual e o que se apresenta neste episódio é um “reflexo do alto valor atribuído à sexualidade na Mesopotâmia, onde uma religião da fertilidade afirmava que a terra e a sexualidade eram esferas de poder dos deuses.” (Bailey, Initiation and the Primal Woman in Gilgamesh and Genesis 2-3, p. 139). Observe que Shámhat é uma personagem-chave no relato, pois a ela cabe humanizar Enkídu, tanto por meio do contato sexual quanto pelos ensinamentos relativos à vida civilizada. E aí está o prazer do pecado.
O pecado é melhor do que qualquer divindade para algumas pessoas; em outras palavras, o pecado é tão prazeroso que pode vir a se tornar um Deus e, por si só, guiar a humanidade. O ser-humano é imperfeito, isso fica bem claro em qualquer religião que analisarmos, o ponto, porém, é que por ser tão imperfeito o homem louva o pecado e torna-o uma espécie de Deus que merece tudo e deve ter tudo, ele coloca o pecado acima da própria crença tornando-o uma nova crença.
Vale citar C. S. Lewis quando ele diz que “Deus é amor, porém não devemos cair na lógica contraditória e dizer que ‘‘amor é Deus’’.” (Os Quatro Amores, introdução). Para Lewis, se deixarmos que a lógica contraditória se aplique, o amor divino torna-se secundário, não há razão para amar e se dar a Deus, se o amor for Deus, “tal substituição seria um pecado […]”.
Concluo que o pecado é, portanto, uma ação humana, demonstra a vulnerabilidade do ser-imperfeito criado por não importa qual Deus(a). Ele é prazeroso, pois nos convence de que Deus (o maior prazer) está tirando algo que nos é de direito. Creio que o prazer do pecado mostre a astúcia de qualquer Deus(a), porque assim a devoção humana é colocada em cheque. Os humanos passam a viver para provar o amor que sentem por Deus, um amor que nunca se igualará ao dEle, pois Ele só pode amar o que cria e os prazeres triviais dos mortais, são inexistentes à sua consciência. O amor de Deus é tão forte que Ele é o próprio amor, já o amor humano é tão frágil que pode se tornar um deus e distanciar o homem do que deveria ser seu único Senhor, Deus.
*Por Diego Carvalho