O estranhamento ao nascer. A briga de um casal em situação de rua dentro de um bar. Uma jovem garota que entra no ônibus e, sem prestar atenção a ninguém, imerge no celular. As lembranças traumáticas de uma sociedade patriarcal. Qualquer assunto, por mais trivial ou profundo que seja, é motivo para reflexões da jornalista e pesquisadora mineira Aline Souza no lançamento literário O Grande Pacto.
Publicado pela Caravana Grupo Editorial, o livro reúne contos, crônicas e poemas escritos pela autora nas últimas duas décadas. São breves impressões das “Alines” que ela já foi no passado, registros momentâneos de uma vida efêmera, sob o olhar de quem a escritora é hoje. Uma maneira de extravasar a ânsia pela escrita, além de “colocar a voz no mundo”.
Produtora de conteúdo com foco em movimentos sociais, direitos humanos e gênero na América Latina, ela mescla os temas de pesquisa e conhecimentos como jornalista, para tecer sua visão sobre a realidade. Dirigido às mulheres, principalmente as feministas, o livro retrata decepções, perdas, amores e indignações inerentes à humanidade. Apresenta, entre os 21 capítulos, observações sobre o conceito de alma gêmea, a necessidade de expressar os sentimentos através da palavra e a relação com a religiosidade.
Desde muito, muito jovem me causava raiva e revolta o fato de que o mundo estava aos pés dos homens, em todos os sentidos. A liberdade era – e ainda é, em certa medida – reservada a eles e apenas a eles. Nunca vi, na minha vida de criança, os meninos serem retirados das suas brincadeiras para aprender a fazer arroz, varrer uma casa, lavar um banheiro. Também nunca vi a sexualidade feminina ser instigada, fomentada, colocada em um patamar de algo normal a ser aceito pela sociedade. Ao contrário, meninas e jovens mulheres deveriam ser puras, recatadas, desconhecer completamente o funcionamento de seus corpos e esconder e reprimir os seus desejos físicos de libido. (O Grande Pacto, pg. 48)
A partir de referências como Clarice Lispector, Grada Kilomba, Hilda Hilst, bell hooks, Lélia González e Márcia Tiburi, a autora faz análises ao mesmo tempo objetivas e sentimentais da realidade que a cerca. Das dificuldades no trabalho até o corte abrupto da espontaneidade das meninas na infância, tudo é contado por meio da voz de uma mulher.
O conto que dá nome à obra, por exemplo, fala sobre “o grande pacto”, um acordo silencioso das mulheres com o patriarcado, que surge do medo das mudanças. Na história, mistura as aflições das jovens da contemporaneidade com os mitos por trás de Eva e Pandora. Com esta premissa, Aline Souza mostra que as mulheres continuam a sofrer com os papéis impostos e como elas devem sempre escolher “entre a força para viver ou a fraqueza de definhar aos poucos”.
Sobre o autor: Nascida em Monte Claros, em Minas Gerais, a jornalista Aline Souza mora na capital do Rio de Janeiro, onde atua na comunicação de organizações da sociedade civil. Mestre em Comunicação, Imagem e Som pela Universidade Federal Fluminense, pesquisou a produção audiovisual latino-americana de movimentos sociais. No momento, dedica-se à produção de conteúdo e aos estudos sobre gênero, direitos humanos, tecnologia, democracia e impacto social. Trabalha com as palavras há quase duas décadas, mas “O Grande Pacto” é sua estreia na ficção. Livro lançado pela Caravana Grupo Editorial é um compilado de contos e crônicas escritos nos últimos 20 anos.