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“O Mistério de São Paulo” – Sobre a redução dos homicídios na cidade

A partir de 1999, a taxa de homicídios no Estado de São Paulo apresentou uma queda drástica. Dos 645 municípios do estado, esta queda no número de homicídios é registrada em aproximadamente 500 deles. Fazendo-se uma comparação com os dados ao longo dos anos, percebe-se que em 2015, o número de homicídios apresentou uma queda de mais de 80,9%, uma das reduções mais impressionantes em todo o mundo.

Se compararmos os resultados de São Paulo com o de outros países, só vamos encontrar algo semelhante em países da Europa e nos Estados Unidos. No entanto, não existe um consenso no sentido de explicar as causas desta queda, ou para usarmos um termo mais técnico, os “determinantes” desta queda.

Os estudiosos sobre a segurança Pública no Brasil inclusive já batizaram este fenômeno como “o mistério de São Paulo”, ou seja, como explicar que em o resto do país os índices de violência estejam subindo consistentemente há mais de 20 anos e no Estado de São Paulo a tendência é o contrário do restante do Brasil? Pessoalmente, acredito que este seja um dos problemas mais interessantes, dentre muitos outros, a serem abordados em um curso de Ciências Sociais. Por quê? Porque ele envolve colocar em prática conceitos fundamentais para a compreensão de muitos conceitos fundamentais importantes não apenas paras as Ciências Sociais, mas para a Ciência de uma maneira geral. E que conceitos seriam estes?

O quê, afinal de contas, pode ajudar a explicar “o mistério de São Paulo”. Alguns pesquisadores defendem a tese de uma “Pax Monopolista”, ou seja, para eles, o controle que facções criminosas como o PCC consolidaram nos presídios do estado de São Paulo, ajuda explicar a queda no número de homicídios. Segundo esta tese, sem a ação ‘pacificadora” do PCC a história dos homicídios em São Paulo seria muito diferente.

Outros pesquisadores defendem uma tese diametralmente oposta;: para eles, não há nenhuma evidência empírica que comprove essa ação “pacificadora” do PCC. Uma combinação de políticas públicas, inovações institucionais tais como a vigência da Lei Seca, do estatuto do Desarmamento, entre outros fatores combinados, ajudam a explicar essa queda drástica nas taxas de homicídios no estado de São Paulo.

Diante de um fenômeno social complexo, como abordá-lo? Uma pesquisa qualitativa, usando basicamente entrevistas coletadas ao longo de uma extensa pesquisa de campo foi o material básico sobre o qual antropólogos chegaram à conclusão de que o PCC teve um papel importante na redução dos homicídios em São Paulo.

No entanto, economistas e sociólogos munidos de outros dados e de outros métodos abordaram o mesmo fenômeno a partir de uma perspectiva quantitativa, e chegaram à conclusões muito diferentes. Outros ainda, combinaram ambas as abordagens. Parafraseando Mark Twain, embora ainda não se tenha chegado a um consenso, apenas o debate e a mobilização de tantos pesquisadores, o debate é um encorajador sinal de que as notícias da “morte anunciada’ da Ciência brasileira são um tanto exageradas.

Sou de opinião de que o “Mistério de São Paulo “ seja ensinado nas escolas do país como uma verdadeira oficina prática sobre o que é realmente, fazer Ciência. Ela envolve não apenas hipóteses, dados e métodos, mas também visões muito diferentes sobre como os cientistas abordam a realidade e que tipo de perguntas eles fazem à ela.

Muito têm se escrito e falado sobre a “utilidade” das Ciências Sociais, quando comparadas aos resultados de demais ramos da Ciência. Nos últimos tempos, alguns setores da sociedade têm inclusive defendido a tese da “desnecessidade” destas ciências sociais, alegando que elas não produzem um retorno imediato, na forma de produtos, serviços e tecnologias capazes de aumentar o bem-estar das pessoas.

Isso é um equívoco. Em verdade, as Ciências Sociais têm sido solicitadas, de maneira crescente a contribuir no sentido de fornecer subsídios para a adoção de políticas públicas empiricamente embasadas. O movimento de ‘políticas públicas baseadas em evidências” ainda é muito incipiente no Brasil, mas já apresenta alguns resultados e pesquisadores promissores.

Apenas para terminar: no ano de 2017, mais de 63,000 brasileiros foram vítimas de homicídios no Brasil. Essa cifra corresponde a impressionantes 25% de todos os homicídios ocorridos no mundo no mesmo período! A violência está na ordem do dia e na boca de todos os candidatos à Presidente e Governador neste ano de 2018. O que não está na boca deles é o reconhecimento de que evidências, e não apenas frases de efeito são o melhor curso de ação para evitar um agravamento ainda maior de algo já em si trágico.

Por todas estas razões e outras que o espaço não permite elencar, o “mistério de São Paulo”, não interessa apenas aos estudiosos, mas deve ser ensinado, debatido e discutido não somente em escolas, mas em todos os espaços dedicados ao exercício da Cidadania e da Democracia.

Escrevi este texto, não como um “artigo” de opinião, mas como uma proposta de usar um caso concreto como um recurso para o ensino e aprendizagem de Ciências Sociais.

*Paulo Roberto Araújo é professor de História. 

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

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