Sandro Peixoto
O escritor e jornalista Albert Camus nasceu na Argélia. Então uma colônia francesa. Seu livro de maior sucesso foi O Estrangeiro, que narra a história de um homem acusado de assassinato e pior; de não ter chorado no funeral de sua mãe. O assassinato em si se transforma em algo secundário. O que passa a ser questionado é se ele é incapaz de sentir remorsos. Afinal num delírio, havia dado 4 tiros no sujeito que já estava morto. E também não demonstrou sofrimento algum perante o cadáver da genitora. Seria ele um misantropo? Merecia ser executado para não ser um exemplo de aversão à natureza humana? Leiam o livro. Eu recomendo.
Roubo descaradamente o título de Camus por uma causa pequena. Em Búzios, eu ainda me sinto um estrangeiro mesmo residindo aqui há mais de 25 anos. Meu filho Leonardo gerado aqui, tem 21. Construí família na cidade. Sinto-me um estranho por causa de alguns buzianos. Vinte anos depois, não são poucos o que ainda me mandam calar a boca por “ não ser daqui”. Alguns considerados amigos, inclusive. Não que eu ache importante ser buziano. Seria o mesmo que ser campista para mim. Icei o assunto porque outro dia meu amigo Mário Paz fez uma pergunta retórica, que me deixou sem resposta.
-O que é se sentir Buziano? Você se sente Buziano, Sandro Peixoto? Ser buziano é nascer aqui? E quem tem pai buziano e nasceu em Cabo Frio como a maioria dos nativos com mais de 30 anos? Eles também são buzianos?
Ninguém à mesa respondeu. Mário, como comandante do assunto persistiu.
-Dizer que ama Búzios não me (te) torna buziano. Eu amo Paris e Londres e nem por isso sou francês ou inglês. O que torna alguém que veio de fora um buziano?
Confesso (como se precisasse) que não sou homem de ficar muito tempo calado. Emudeci por alguns segundos. Passou-me pela cabeça inúmeras pessoas de outras paragens que moraram em Búzios e que foram embora. Lembrei ainda dos que ficaram. Já sei! Gritei com os olhos sem emitir uma sílaba. A pessoa que chega de fora só vira buziano quando desfaz as malas. Havia decifrado o enigma. O Mário, pelo brilho nos olhos, se contentou com a bobagem dita. Eu, no entanto, seguia sem respostas. A súbita epifania a mim nada dizia. Continuava me sentindo um estrangeiro. E para piorar, na mesa havia pessoas de outros países que por motivos que desconheço se sentiam sim, buzianos. Palmas para eles!
Octavio Raja Gabaglia, o maior homem (em todos os sentidos) que Búzios já conheceu me revelou que se sente sim, buziano. Apesar de alguns nativos o tratarem como um pária. Coisa que ele nunca mereceu. Octavio dedicou mais de 60 anos a nossa cidade (será que posso falar assim?) e conseguiu com determinação – e um pouco de arrogância típica dos baixinhos – criar um estilo arquitetônico que livrou Búzios da mesmice nacional. Da mediocridade que destruiu cidades maravilhosas desse imenso litoral brasileiro. Octavinho, como é carinhosamente conhecido, diz não lembrar do dia em que sentiu fazer parte do imaginário buziano.
-Isso não é coisa que se perceba ao amanhecer. Que se sinta de um dia para o outro. Após um porre ou uma tarde na Azeda. Leva tempo. É a construção de uma nova identidade. Como um novo nascimento, declarou Octavio.
Eu, Sandro Peixoto continuo não me sentindo buziano. Por sorte tenho Ataraxia. Síndrome popularmente conhecida como ausência de inquietude. A sensação de pertencimento não existe em mim. Epicuro mandou lembranças. Sou brasileiro e Búzios faz parte do Brasil. Para mim basta. E isso não mudará em nada, meu respeito pelo lugar. Vou continuar agindo da mesma maneira. Em busca do melhor para a cidade. Ao menos em busca da cidade que acredito ser a melhor. Sei que tenho e terei contraditórios. Faz parte. Uma coisa, no entanto eu sei porque vi. A maioria das pessoas que lutaram pela cidade, que trabalharam para melhorar o ambiente não nasceu aqui. Se alguns nativos não entendem isso é problema deles. Se Búzios der errado eu posso voltar para o lugar que nasci. Os outros estrangeiros idem. Mas se Búzios fracassar, os buzianos vão para aonde?
Chegou a hora de parar com essa divisão boba afinal, os nativos hoje são minoria e foi por não entenderem a importância de juntar os “de dentro” e os “de fora”, que hoje não existe nenhuma discussão sobre o futuro da cidade que tenha um nativo à mesa. Foram alijados dos debates por preconceito, por não nos aceitarem, por não entenderem o que estava se passando. O que foi uma pena. Eles ainda têm muito a acrescentar.
Roubo novamente a fala de outro pensador. Desta vez, de um sociólogo de São Paulo. Os buzianos nativos estão aí, mas o mundo deles acabou quando a Brigitte Bardot colocou a aldeia na mídia mundial. Ter nascido aqui ou não, já não faz a menor diferença. O que faz diferença mesmo é como a pessoa se comporta.