Quem trabalha no magistério tem enfrentado nos últimos tempos, mais um contratempo. Não bastassem as más condições de trabalho, o salário que além de baixo tem atrasado e a violência dentro e fora das salas de aula, os professores agora se deparam com um fenômeno desafiador. A cada dia que passa tenho contato com relatos de outros professores que se queixam de que seus alunos agora, negam-se a aceitar teorias há muito consagradas pela Ciência.
Estes alunos lançam dúvidas sobre a validade da Teoria da Evolução, contrapondo a isto o Criacionismo. Outros afirmam que a Terra é plana contrariando 300 anos de Física Clássica e um sem número de experimentos validando o que Galileu, Copérnico e Newton escreveram.
Vez por outra, uma personalidade ganha as manchetes de jornais dizendo ter aderido à teoria de que a Terra é Plana, ou de que vacinas podem provocar autismo nas crianças. Shaquille O’Neill, astro do basquete norte americano afirmou que acreditava que a Terra era plana e que toda o programa espacial americano não era mais do que uma operação de “cover up”, ou seja, uma farsa minuciosamente encenada para enganar o cidadão comum. Robert de Niro, consagrado ator, declarou também que não acreditava que os programas de vacinação infantil fossem eficazes e que na verdade, eles poderiam fazer mais mal do que bem. De Niro é partidário de um movimento que ainda não ganhou força no Brasil, mas que nos Estados Unidos e na Europa já começa a alarmar as autoridades, o movimento antivacinação. Este movimento teria surgido a partir de uma suposta denúncia feita por um pesquisador americano que teria chegado à conclusão que vacinas tinham a capacidade de produzir como efeito colateral, o autismo em crianças.
Nos Estados Unidos, este movimento já foi capaz de diminuir o número de crianças que utilizaram o sistema de saúde para serem vacinadas. Ao mesmo tempo, doenças que há muito já se consideravam terem sido erradicadas, como o sarampo, voltam a fazer vítimas entre as crianças.
O que há de comum nestes movimentos? Em primeiro lugar, gostaria de deixar bem claro que estes movimentos, embora tendo sido mais frequentes nos países ditos ‘desenvolvidos” já estão presentes entre nós, brasileiros, ainda que em menor intensidade.
A teoria padrão que explicaria a emergência destes movimentos de negação da Ciência é a velha cantilena de nossa combalida Educação. Professores mal pagos e mal treinados, acesso à internet sem limites, falência do modelo educacional, e por aí vai. Tudo isso é importante, e não nego que estes e outros fatores tenham alguma responsabilidade nisto. Mas eu acredito que existe mais coisa aí. Explico.
Há algum tempo tenho lido matérias sobre este fenômeno. Em várias ocasiões, me deparei com narrativas de pessoas que teriam se negado a vacinar seus filhos, a rejeitar a Teoria da Evolução ou mesmo a aceitar que a Terra era plana, não porque eram refratárias à Ciência e aos benefícios trazidos por ela. Na verdade, todas estas narrativas convergiam para um sentimento de serem vítimas de uma grande “conspiração”.
O elemento que une estas aparentes atitudes de negação da Ciência teria como raiz, um sentimento de que esta, assim como a Modernidade de uma maneira geral, escapara do controle. Ora, pessoas que se sentem vítimas de alguma conspiração sentem-se no fundo preteridas por um sistema que elas julgam por demais complexo e ameaçador. Certo dia, ouvi um relato de uma jovem mãe que contou que tinha se negado a vacinar sua filha, porque acreditava que os serviços de saúde eram de má qualidade e acabavam produzindo mais doenças do que benefícios. Só quando ela quase perdeu sua filha para uma violenta crise de sarampo, ela se deu conta do risco que tinha corrido.
Não são incomuns casos assim no Brasil. Não se trata apenas de ‘ignorância”, ou de “falência de nossa educação”, como poderiam sugerir leituras apressadas de um fenômeno como este. Creio que há também um componente que precisa ser melhor entendido. No Brasil, no início do século XX, a Revolta da Vacina entrou para os livros de História como uma revolta popular contra os métodos autoritários de vacinação empreendidos por Oswaldo Cruz, para erradicar a Febre Amarela no Rio de Janeiro. Aquelas pessoas na verdade, não desejavam morrer de febre amarela, mas também não entendiam como aquela nova ciência funcionava. No fosso entre uma cultura cientifica e uma cultura popular, fermentou um levante, motivado pela vacina e por outras causas.
Creio que estamos mais uma vez, diante de um fosso parecido, vejo nestes movimentos um sinal de algo muito mais ameaçador do que simplesmente um rapaz vendo vídeos sobre a Terra Plana em redes sociais. Percebo sim, o surgimento de uma nova forma de desigualdade, em minha opinião tão séria quanto a desigualdade econômica. Essa desigualdade é a tecnocientífica, e falarei dela nas próximas oportunidades.