1992. No auge do governo Collor e todas as movimentações com relação a sua destituição, um artista chamado Gabriel, o pensador, lança uma música que tem os seguintes versos:
“Atirei o pau no rato
Mas o rato não morreu
Dona Rosane, admirou-se do ferrão
Três-oitão que apareceu
Todo mundo bateu palma quando o corpo caiu
Eu acabava de matar o Presidente do Brasil
Fácil um tiro só
Bem no olho do safado
Que morreu ali mesmo
Todo ensanguentado
Quê? Saí voado com a polícia atrás de mim
E enquanto eu fugia eu pensava bem assim:
“Tinha que ter tirado uma foto na hora em que o sangue espirrou
Pra mostrar pros meus filhos
Que lindo, pô”
Em 1994/95, já no governo de FHC e sua guinada liberal, outro grupo artístico chamado Athaliba e a Firma tem uma música com os seguintes versos:
“Nossa vida mais e mais ficando crítica
Basta olhar que você vê que a vida cívica
Deteriora tanto quanto a coisa pública
Quanto choro, quanta fome, quanta suplica
Quanto nojo de saber que gente estúpida
De mamatas vão vivendo na república
Chegou la sem declarar riqueza súbita
Joga o jogo de enganar postura física
De enganar figura lá postura cênica
Vem política estúpida e anêmica
Vem política raquítica, cínica
Choque vai, inflação vem de forma cíclica
Nem precisa consultar a estatística
Pois de fato a gente sente a vida rústica
Que não há como mudar o tom da música
Pois vai mudar, vai melhorar, vai ficar nítida
Sua alegria de viver será explícita
Nos palanques bem montados, boa acústica
São patéticas promessas de política”
Pois bem, anos 90, década turbulenta, década de uma tentativa de afirmação da constituição de 1988 e uma crescente desilusão das representações, devido em grande parte, as suas decisões sobre os rumos do Brasil. Além de xingamentos, desesperos, suicídios (afina, as poupanças foram confiscadas) e fora isso, uma reorganização dos movimentos sociais, a arte também sofria reflexos.
To feliz (Matei o Presidente) e Política foram umas das várias produções que demonstrariam essa insatisfação generalizada com nossos governantes e suas atuações. Agora pensem, da segunda década do século XXI aos anos 90, temos coisas similares, eventos de comparação? E aí vem a pergunta na qual gostaria de reflexão atenta: Como estão nossas produções artísticas, no sentido de refletir nossos tempos?
Crise Econômica e corrupção, segundo uns, são momentos cíclicos do capitalismo e abre brecha para possíveis salvadores da Pátria e seus planos mirabolantes (ou nem tanto) para se dar um jeito no que tá ruim. Obviamente tem adesão, assim como não se avalia muito bem, as consequências dessa adesão. A capacidade de previsão, nesses casos, beira ao 0.
Além de jornalistas, articulistas, cientistas políticos ou sociais, onde podemos encontrar o senso crítico? A arte deveria cumprir essa função e será que cumpre agora, será que os artistas de nosso tempo estão realmente atentos e dispostos a colocar a cara tapa para deixar o rei nu no nosso atual momento histórico?
Nenhum caminho histórico é suave e tranquilo. Temos buracos, curvas, porradas e feridas. Também temos propaganda para fazer acreditar que tá tudo bem. Uma das coisas que mostra o real e sua complexidade, de fato, é a arte, não tem jeito. O artista é o articulador do real, do incomodo, o que manipula a estética, para se questionar os nossos caminhos, a moral, a ética.
E aí? O que será/está sendo produzido nossos tempos? É revelador, é incomodo, está tirando as pessoas do lugar-comum, se está questionando o caminho no qual estamos seguindo? Cadê esses artistas? Temos empatia para com eles? Ou a propaganda venceu?
Tensionar é preciso, já dizia o poeta, agora, entre o preciso e a ação, qual será a nossa posição?
“E todo mal que nos assola é uma alíquota
Cujo montante principal é a política
Essa política sem lógica, sem nexo
Essa política do próprio paradoxo
Essa política larica mais que tóxico
Essa política do fight bem no plexo
Essa política que não respeita sexo
Essa política perdida em circunflexo
Essa política mentiras em anexo
Essa política do choque heterodoxo”