A democratização do transporte não chega integralmente na periferia
O jovem Alexandre Trintim, o Alê, de 26 anos, passou uma experiência ruim com o UBER, aplicativo que, entre outras coisas, é alardeado como tendo democratizado o transporte de passageiros no mundo, com passagens mais baratas e serviço personalizado, o que possibilitou pessoas de menor poder aquisitivo a melhorarem suas experiências de locomoção.
Alê também pensa assim, mas no dia 28 de novembro a atitude de um motorista do aplicativo em Cabo Frio, Região dos Lagos do Rio de Janeiro, o colocou em apuros e o fez refletir e, inevitavelmente, diminuir sua confiança no app.
“Eu fiquei me sentindo humilhado, sabe? Parecia que eu tinha feito algo errado, sei lá.
Ele, que é agente de secretaria escolar, e estudante de pedagogia,tinha acabado de participar de um Fórum na Universidade Estácio de Sá, no bairro Braga. Estava animado com o evento, tinha sido proveitoso. Mas quando saiu começava a chover e já não tinha movimento de alunos do lado de fora. Conta que pensou em caminhar até o ponto, cerca de 10 minutos, mas a chuva estava apertando e o caminho era deserto, preferiu chamar um UBER, claro. Mesmo sem chuva ele evita fazer esse caminho a pé, após as 22h.
“Assim que o motorista chegou eu comentei com ele que estava aliviado porque tava com 1% de bateria.”, conta.
Corrida iniciada e, de acordo com Alê, o motorista pergunta qual o destino. “Jardim Esperança”, respondeu sem preocupação. “Puts, sério?”, essa foi a reação do motorista.
O jovem confirmou a informação e explicou com mais exatidão onde é sua casa: o bairro é atrás do Hospital do Jardim Esperança, chamado Monte Alegre II. E relata que o motorista perguntou se teria que passar por rua sem asfalto. Ele afirmou que sim.
“Ele encostou o carro mais a frente, pediu desculpa mas iria cancelar a corrida porque ele tinha uma corrida particular cedo no outro dia e não queria ter que lavar o carro novamente, logo após me pediu pra sair do carro. Eu falei que tava sem bateria e não teria como pedir outro uber e ele falou que sentia muito e pediu para sair novamente.”, demonstra tristeza ao contar.
Constrangido com a situação, Alê não discutiu, só pediu pra cancelar a corrida na sua frente antes de sair do carro. Já era 22h30, debaixo da chuva em uma rua deserta, o jovem caminhou até a Praça do bairro São Cristóvão, que felizmente daquele local era apenas cinco minutos de caminhada. Lá conseguiu pegar o ônibus para seu bairro.
“Eu fiquei me sentindo humilhado, sabe? Parecia que eu tinha feito algo errado, sei lá. Um sentimento ruim mesmo. Tinha até pensado em não reportar ele, mas hoje fui tomar um anti-inflamatório pra minha garganta que começou a inflamar desde então e lembrei que eu peguei um resfriado, mas poderia ter acontecido algo pior, como um assalto por causa da sua negligência.”, desabafa.
Nos últimos tempos muitos usuários do app reclamam do fato que dependendo do destino as viagens estão sendo canceladas. Alguns motoristas fazem contato antes por mensagem questionando qual o destino. A justificativa é medo por conta da insegurança. Realmente é grande o número de casos em que são alvo de violência. Mas ainda assim, configura uma violação aos Termos e Condições de adesão dos motoristas parceiros à plataforma questionarem o destino para em seguida cancelar.
Uma das revindicações do motoristas parceiros é que o aplicativo revele o destino antes que o motorista aceite a corrida, como acontece em outros como o 99.
Mas a insegurança é de mão dupla. Recentemente um relatório divulgado pela Uber, registrou quase 6 mil denúncias de abuso sexual nos Estados Unidos entre 2017 e 2018. No primeiro ano, foram notificados 2.936 casos, enquanto no ano seguinte o número subiu para 3.045, ainda não foram divulgados os dados brasileiros.
Mas no caso do Alê, a justificativa do motorista não foi questão de segurança, ele, de acordo com o que conta o rapaz, estava preocupado em não sujar o carro.
O caso foi reportado ao UBER e pode levar até ao encerramento da parceria. De acordo com a diretoria do empresa, a Uber tem equipes e tecnologias próprias que constantemente analisam viagens para identificar violações e, caso sejam comprovadas, banir os envolvidos.
“Acho mesmo que o motorista não tinha que sujar o carro dele, mas era só não ter ligado o app porque ele me atrapalhou muito com aquela atitude. Se tivesse deixado o carro dele limpinho na garagem, eu poderia ter tido a oportunidade de encontrar um motorista que me levasse em casa, já que eu só tinha 1% de bateria”, lamenta.
Seja por uma suposta falta de segurança ou por outros motivos, como a distância, e valores baixos para a região de destino, a tal democratização do transporte através do app nas periferias torna-se mais uma ilusão entre tantas e os moradores dessas localidades privados de um direito simples, o de ir e vir. “Eu sei que nenhum motorista quer entrar na periferia pra pegar ou deixar passageiros, mas o app tá aí pra democratizar um pouco o acesso ao transporte e eu não deveria me sentir culpado por utilizá-lo para chegar em casa, né?”, finaliza.