“Está fora dos padrões!” Foi essa frase que a modelo Hadama Ndjai, mulher negra, gorda e simplesmente linda, mais ouviu desde sua adolescência, quando sonhava em entrar no glamouroso universo da moda. Mas a vida dá muitas voltas e, não só pelo que representa, mas por toda sua força e persistência, desistir do sonho nunca foi palpável para ela.
No último sábado, dia 4 de junho, a estudante de Design Industrial, de 25 anos, que nasceu em Campinas, estreou nas passarelas da São Paulo Fashion Week (SPFW), um dos mais renomados eventos do segmento no Brasil e Mundo. Com raízes da Guiné Bissau, Hadama é filha de uma brasileira com o falecido Cônsul, Tcherno Ndjai, que dedicou sua vida à missão diplomática no Brasil. Herdou do pai os olhos marcantes e traços africanos que transcendem sua ancestralidade, fazendo jus ao lema “O futuro é ancestral”, da marca em que desfilou: Az Marias.
Foi a primeira vez da modelo na SPFW e abrindo o desfile de Az Marias, uma marca carioca de slow fashion que ganhou destaque pela moda sustentável e inclusiva. Hadama Ndjai também desfilou para a estilista Naya Violeta. Estas são algumas das marcas que integram o projeto Sankofa. Com o apoio do SPFW, o objetivo do Sankofa é dar visibilidade à inclusão racial na moda brasileira, além de auxiliar no desenvolvimento de negócios, com relevância nacional. A iniciativa foi criada pelo movimento “Pretos na Moda” em parceria com a startup de inovação social VAMO – Vetro Afroindígena na Moda.
Para a modelo, abrir um desfile é uma grande responsabilidade, ainda mais sendo uma estreia, representando marcas desse importante projeto.
“Foi na verdade a realização de dois sonhos, estar na SPFW e abrindo um desfile de tanta representatividade. Não é fácil chegar nesse lugar. Fiquei muito feliz quando a Cíntia Félix me escolheu para abrir o desfile dela, da sua marca Az Marias, que teve um significado muito grande para mim. Sempre tentei me enquadrar em um padrão que não era meu, tentando ser magra, ficando até doente por isso. Ter o meu corpo visto da forma como ele é hoje, sendo uma mulher preta e gorda foi muito significativo”, ressaltou Hadama.
Durante os cinco dias de SPFW, além dos olhares para as tendências da indústria fashionista, a diversidade e a sustentabilidade deram um tom especial nas passarelas. O desfile de Az Marias, por exemplo, usou matérias primas vindas do lixão, trazendo artigos sustentáveis e customizações. Para a roupa da Hadama Ndjai, a idealizadora da marca Cíntia Félix utilizou elementos como tecidos refletivos, com proteção UVA e também o tule, dando uma ideia de uma roupa flutuante no corpo, em especial, para a Hadama.
“Pensei em uma roupa futurista, bonita e exuberante para uma mulher grande, com quadris largos, e quando vi a Hadama Ndjai no Instagram e falei com ela, pensei logo – Não pode ser outra mulher. Tudo conectado com o que a minha marca faz para levar às passarelas. Quero sempre mulheres de verdade e que outras se vejam nelas”, destacou a estilista Cíntia Félix, reforçando que as expectativas são as melhores possíveis e que espera entregar à moda brasileira um novo olhar sobre a beleza.
A modelo Hadama Ndjai disse ainda que é muito importante saber que faz parte desse momento especial que estamos vivendo, onde grande parte do casting do SPFW era negro, mas que no segmento Plus Size, espera que outras marcas construam suas roupas pensando em pessoas reais, com diferentes tipos de corpos.
“Poder desfilar com o meu corpo real é muito libertador. Espero que isso encoraje outras mulheres a se libertarem dos mesmos problemas que já sofri. A beleza está em todos os corpos e estes também precisam ser representados”, finalizou Hadama.
Por Victor Cinquini e Verônica Côrtes, jornalistas colaboradores