Quando cheguei à redação do Perú , ainda no final de 2012, como freelancer na produção da retrospectiva ( que por sinal foi uma das melhores que Marcelo já editou ), escrevi feito um louco diversos textos de conteúdo publicitário (Matérias pagas, né), não assinei nenhuma. Mas no finalzinho do dia, quando eu já ia meter o pé pra Cabo Frio, onde eu era repórter no Noticiário dos Lagos, e tinha que cumprir plantão, Lartigue me pediu um textinho sobre a Rasa (na pronuncia dele “Rassa”) . Não sabia eu que isso era um traço característico do Marcelo. Sempre te pedir mais um textinho sem nunca ter fim. Sobre a Rasa eu escrevi com gosto e assinei, mesmo sendo apenas mesmo um textinho.
Terminei e disse na minha ingenuidade de neófito na redação (até então eu era apenas um colaborador à distância): “Terminei. Quer ver o texto, Marcelo?”. Resposta:
“Eu nunca leio os textos.”. Pausa dramática com continuação non sense: “Só os processos” .
Uma vez, isso já no final de 2013, me pediu um texto sobre o festival LGBT que ele teria criado (há outras pessoas que reivindicam a ideia). Parti pra pesquisa e não achei muita coisa na internet, o evento tinha acontecido em 2008 e ainda não se publicava tanto nesse espaço virtual, como hoje. Só havia uma edição do Perú sobre o assunto, a minha memória sobre algumas coisas (eu era caixa do restaurante Boom em 2008) e a narrativa do Marcelo e do Hamber. Liguei para algumas pessoas que Marcelo me indicou pra saber mais sobre o tema, achei uma publicação de um jornalista que veio para o festival e curtiu tanto que narrou suas aventuras em um blog, e consegui fazer um texto de duas páginas que Marcelo ilustrou com paixão, e sem ler uma linha do que eu escrevi. Nem viu que preferi pôr a assinatura dele ao invés da minha. Fechamos na sexta à noite, o jornal circulou no sábado, e domingo meu telefone tocou, era Marcelo.
“Maluco, ficou do (du) caralho o texto que você fez sobre os gays. Tá todo mundo me dando os parabéns.”, disse sério e depois continuou rindo: “Não sabia que você entendia tanto de gay”.
Eu ri e disse: “Coloquei sua assinatura no texto”. “Porra (porá), então eu não sabia que eu entendia tanto de gay”, respondeu rápido meu editor. Rimos feito bobos no telefone.
Ainda em 2013 ligaram pra redação e avisaram que Mario Pombo tinha morrido. Janice, super secretária do Perú, atendeu e me avisou. Fui até Marcelo crendo que deveria ser alguém muito importante pra ele, alguma figura dessas da Búzios do passado que eu talvez não conhecesse. Marcelo riu e disse: “Quem é Mario Pombo?”. Tudo poderia ter acabado aí, só que não no mundo de Marcelo Lartigue. Marcelo pegou o celular (seu cachorro fiel) e tascou a ligar pra todo mundo em busca de informações sobre Mario Pombo, não satisfeito, me pôs pra ligar do telefone fixo pra todos os moradores antigos de Búzios. Descobrimos que ele tinha metido uma bala na cabeça em Friburgo, aos 70 anos, após chegar de uma partida de tênis – o título da nota, ideia do Marcelo, foi Match Point (o humor irônico e mordaz do Marcelo). Falei com Octavinho, José Itajaí, e Soledad.
Todos falaram dele com carinho, tinha, junto com uma junta de outros bom vivants, aproveitado a vida boa de uma Búzios mítica (queria ter andado por essa Búzios e empurrado a vida com a barriga assim também, queria). Soledad fez questão de explicar que apesar de ser um cara brincalhão, não era um babaca: era bonitão e inteligente, e que soube ganhar dinheiro e tinha família. Octavinho contou que em dado momento ele (Mario Pombo) se apaixonou e então sossegou.
Marcelo ficou de alguma forma encantado por Mario Pombo, publicamos a notinha ilustrada com uma intervenção humorística do Marcelo em uma foto da praia de Geribá cheia, sempre criativo. E mais uma vez não assinei. Por que eu às vezes fazia isso? Porque não assinava e preferia por o nome do Marcelo? Porque eu não sentia o texto como meu. Mesmo as palavras tendo sido escolhidas por mim, a coleta da informação sendo minha, havia o talento do Marcelo em perceber e indicar a pauta inusitada, e havia os caminhos que ele oferecia pra que a matéria nascesse, e havia detalhes que ele ditava e que davam o toque irreverente e criativo. Era tão forte que eu escrevia procurando o tom do Marcelo, as palavras que ele talvez usasse se estivesse escrevendo. Por isso assinei tantos textos, foram bastante, como sendo dele. Porque eram. Mario Pombo recebeu uma homenagem, daquele dia em diante passou a fazer parte do lendário e conselho editorial do Perú. Pegue um exemplar de abril de 2013 em diante e verá o nome dele lá no expediente.
Quando viajou pro Japão em 2014, Lartigue disse que foi a maior viagem de sua vida. Marcelo foi meio que pra curtir o país mais longe da Argentina e de Búzios que ele já teria ido, em sua feroz vida, estava prestes a completar 60 anos, também prestes a morrer. Mas Marcelo, também se entregou com furor à razão oficial que o levou ao Japão: a conferência de Minamata sobre os males do mercúrio. O Perú foi o único veiculo de comunicação do Brasil a estar lá. Marcelo foi aplicado e participou de tudo lá, entrevistou, fotografou. As fotos foram um capitulo a parte. Eram lindas, poéticas, incríveis (alguém guardou?).
Tinha a querida Chikako (japonesa que mora em Búzios com seu marido, o surfista Michel) como intérprete. O problema é que ela (Chikako) falava muito mal o português, e Marcelo não falava inglês, e muito mal falava o português também, e, acreditem , também não falava bem o espanhol.
Além da conferência, é claro que ele quis contar tudo que viu lá, fazer comparativos com o Brasil e com Búzios (que pra ele era como um pequeno país). Entulhou o e-mail do Perú. E-mails cheios de áudios e também de textos escritos meio em portunhol meio em Marcelol (Marcelo conseguia falar um idioma mais estranho e muitas vezes mais incompreensível que o portunhol). É claro que me incumbiram de juntar aquilo tudo, de “traduzir” aquilo tudo. Me esforcei muito, gastei horas do dia e da noite trabalhando pra que saísse tudo que ele enviava, busquei formatar os textos de forma fiel ao jeito de Marcelo se expressar e de ver (sempre torto) as coisas. Tinha que conseguir mostrar pra quem lesse que Marcelo não estava só animado com o que via, estava assombrado com o abismo que separava a cultura buziana e brasileira (ele separava mesmo Brasil de Búzios) – em nenhum momento citava a Argentina, do Japão.
Na hora do fechamento de uma das edições em que ele estava no Japão, eu junto com Carol (diagramadora cheia de talento e com quem Marcelo não abria mão de trabalhar, entendia ele como ninguém) e Alessandra (da Cruz) que ali assinava a publicação e era seu braço direito na condução do jornal como empresa, empacamos na capa. O jornal ia rodar e sair no dia 12 de outubro (dia da criança), vinha encartado nessa edição o suplemento infantil o Peruzinho. Na timeline do meu facebook apareceu uma foto da Dilma criancinha ainda. Eu enviei pra Carol e disse: Eis a capa! Ninguém na redação gostou da minha ideia. Pensei na chamada, que foi editada por Alessandra (ficou melhor mesmo com edição dela), “Todo Mundo já foi criança. Até a Dilma”. Pronto.
Enviado pra gráfica com cópia pro Marcelo que retornou o e-mail em 10 minutos, estranhamente endereçado a mim: “Victor, Você fez um jornal do cacete – sei que foi você que fez”. Respondi com uma falsa modéstia ridícula: “Que bom que gostou Marcelo, tentamos fazer o máximo pra editar um jornal do jeito que você faria”. Marcelo respondeu: “Para com essa humildade de japonês, Victor. Tomar no cu”.
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