Foto: Octacílio Barbosa | Texto: Leon Lucius
As comissões de Ciência e Tecnologia, Educação, Direitos Humanos, de Combate às Discriminações e Especial da Juventude, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), realizaram audiência pública conjunta nessa segunda-feira (11/06) para discutir a continuidade das cotas raciais nas instituições de ensino superior estaduais. O encontro aconteceu na Capela Ecumênica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e foi motivado pelo projeto de lei 470/19, do deputado Rodrigo Amorim (PSL), que pretende excluir o critério de raça da política de cotas.
Criado pela Lei 4.151/03, o sistema de cotas determina que sejam reservadas no mínimo 20% das vagas de cada curso às pessoas negras, indígenas e oriundas de comunidades quilombolas. No ano passado, a [link 2] Alerj aprovou a prorrogação da medida por 10 anos [link 2]. “Os deputados tomaram essa decisão frente aos resultados muito positivos em diversas esferas, seja na conclusão dos estudos ou nos percentuais de evasão. Desde 2008, há uma carga forte de preconceito que busca forjar uma realidade que nunca se concretizou. Estamos em um ambiente de ataque às universidades e à pesquisa científica”, declarou o deputado Waldeck Carneiro (PT), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia.
A vice-reitora de graduação da Uerj, professora Tânia Neto, ressaltou o alto índice de rendimento de alunos cotistas e exemplificou que, em toda história do curso de Ciência da Computação, o maior Coeficiente de Rendimento (CR), uma média de notas de toda a graduação, é de um aluno cotista. “Quem propôs a retirada não estudou a história dessa ação afirmativa. A revogação da lei se deu em prol dos resultados apresentados à sociedade, à Alerj, aos órgãos de Justiça e aos conselhos superiores”, disse a professora, que ainda lembrou que os índices de evasão entre os cotistas é menor do que os não-cotistas.
Aluna cotista da instituição, a deputada Dani Monteiro (Psol), que preside a Comissão Especial da Juventude, ressaltou que as cotas raciais fazem parte de um processo de reparação histórica com a população negra, que foi sequestrada da África e escravizada em terras brasileiras. “Quando eu entrei na faculdade, ouvi de um professor que estar na universidade é só pra quem pode. E já que é assim, nós precisamos garantir que mais pessoas possam. Construir cotas é garantir a participação da população negra, que é maioria nesse país”, declarou a deputada, que foi acompanhada por gritos de “Uerj resiste” entoados por outros alunos, professores e técnicos que acompanhavam a audiência.
O que diz o projeto
O projeto 470/19 retira o critério de raça do sistema de cotas, mantendo o benefício para alunos da rede pública, pessoas com deficiência e filhos de policiais, bombeiros, inspetores de segurança e agentes do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) que tenham sido incapacitados ou mortos em razão de serviço. Como define a lei original, o critério de renda é primordial para a inserção dos alunos nas modalidades de cotas.
“Todos nós precisamos garantir o acesso a uma universidade pública, gratuita e de qualidade. O que acontece é que a cota em razão da cor é objeto de fraude, pois tem muita gente que se autodeclara negro e não é. Queremos coibir essas fraudes e estabelecer uma política de cotas que possa garantir que aquele que está excluído, à margem da sociedade, refém de um processo econômico, possa acessar à universidade. Infelizmente, a Uerj se tornou um local de doutrinação ideológica, de aparelhamento político para grupos de esquerda que estão promovendo essa balbúrdia. Custe o que custar, o debate sobre esse projeto acontecerá no Plenário da Alerj”, declarou o autor do projeto, deputado Rodrigo Amorim (PSL).
Apoio institucional às cotas raciais
Representantes do Ministério Público do Estado (MPRJ) e da Defensoria Pública do Estado (DPE-RJ) também foram convocados pelas comissões e declararam que os órgãos apoiam a continuidade da política de cotas raciais. “Elas representam a ruptura de um poder colonial, já que o racismo se perpetua também pelo direito de construir saberes. A população negra se apropriou dessa política para romper com a hegemonia branca, para construir pesquisas pela perspectiva negra, para construir um judiciário negro, um Ministério Público negro”, exemplificou a defensora Lívia Casseres, ex-cotista formada pela primeira turma de Direito da Uerj após a implementação da política afirmativa em 2003.
“O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a constitucionalidade dessa política. O Ministério Público, que é inclusivo e luta pela diversidade, faz a defesa incondicional dessa medida porque percebe que é uma evolução da sociedade e que esse processo é amplamente baseado não só na Constituição Federal como em convenções internacionais”, completou a promotora do MP-RJ Eliane Pereira. Ela contou que, quando cursou Direito na Uerj não havia uma pessoa negra em uma turma de 75 alunos, realidade diferente da que encontra a filha, que atualmente também faz Direito na instituição.
De acordo com dados fornecidos pela Uerj, os cursos de Medicina e Direito possuem, respectivamente, 122 e 427 alunos que ingressaram pela cota racial, cursos de elite considerados “historicamente frequentados apenas por pessoas brancas”, como lembrou a professora Tânia. Ao todo, a instituição formou, em 15 anos, 20.535 alunos pela ampla concorrência e 4.435 pela cota racial.
Participaram da audiência os deputados Carlos Minc (PSB), Flávio Serafini (PSol), e Renata Souza (PSol), presidentes das comissões de Combate às Discriminações, de Educação e de Direitos Humanos, respectivamente. Os parlamentares se revezaram no comando da audiência pública. Também estiveram presentes os deputados Alexandre Knoploch, Anderson Moraes, Coronel Salema e Márcio Gualberto, todos do PSL, e a deputada federal Benedita da Silva (PT).